quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O tempo é o agora

«O tempo que já foi é perdido e o que está para vir é incerto. A única forma de fintá-lo é talvez assumindo que o tempo é o agora. Não deixando nada para amanhã, não adiando. Seja, faça, diga, pense, vá, comece, acabe, pergunte, responda, procure, encontre, dedique, aproveite, ame… HOJE! Não é fácil… Mas também ninguém disse que o seria. É a luta de uma vida e não vai ganhar a guerra… Mas pode vencer muitas batalhas se valorizar e aproveitar o tempo que tem neste exacto momento.»

«Continuo a achar que o tempo corre... Mas eu corro atrás dele, qual Francis Obikwelu. A ponto de ficarmos a uma curta distância um do outro; de eu conseguir agarra-lo melhor e vê-lo como aliado e não como oponente. A ponto de eu dizer que, embora não me sobre muito, tempo também não me falta. Porque faço sempre por estar/ser/fazer o que quero, com quem quero, onde quero e… quando quero.»

(de alguém que sabe como "espremer" a vida até à última gota)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Os meus santos natais

Estão reunidas as condições para um Natal de merda. A começar pela puta da gripe que resolveu apoderar-se de mim (ao menos que alguma coisa tenha a ousadia para se apoderar de mim...) mesmo no resquício do fim-de-semana. Cheira-me que é coisa para me deitar abaixo mesmo quando estiver a preparar-me para a missa do galo - e sou, por definição, um gajo ultra devoto incapaz de perder uma missa do galo.

Agora a sério: adoro padres. Sobretudo aquele que acompanhou o meu crescimento enquanto cristão, na paróquia da província. Esteve lá meia dúzia de anos. Foi até correrem literalmente com ele. Isto porque o senhor prior resolveu enviar uns quadros de valor inestimável para Espanha, à socapa, a pretexto de os recuperar. Resultado: os quadros nunca mais apareceram.

Os natais fazem-me lembrar a minha professora primária (bastante fodida, por sinal). Obrigava os putos a improvisarem uma peça de teatro, com uma forte componente bíblica. Eu, por mim, gostava de fazer de burro. Porque fazia sentido. E não tinha diálogos. Mas os verdadeiros natais foram passados com a minha vizinha. A Carlinha era fogo. Adorava ser a minha rena. Quando tinhamos tempo, também brincávamos. Mas já lá vai o tempo. Hoje, quem quiser estar com a Carlinha tem de pagar (e bem). Nem que seja para brincar. Há anos que não a vejo. É pena. Perdeu-se uma boa rena.

Naqueles tempos, o que mais gostava era de receber as prendas das avós. A cada 25 de Dezembro, pela manhã, fazia-me à estrada na velha bicicleta, na ânsia de açambarcar os presentes. Muito pijama e muita meia recebi eu das velhotas. Mas o que importava mesmo era o que vinha acoplado às peças de vestuário: a notinha de 5 contos. Agora, a Carlinha...

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Natal de adultos ou de miúdos?

Ia comentar o teu post, mas entusiasmei-me...

Concordo contigo. Hoje é um disparate e uma corrida alucinada!! Lembro-me quando era miúda que era assim como dizes: prendas só para os miúdos (éramos três) e prendas úteis (cadernos, lápis, livros)!!
Hoje eu participo nessa corrida alucinada mas não à velocidade a que descreves, mas participo porque os miúdos cresceram e temos há anos um Natal de adultos.
Este é o 2.º ano que vai contar com a presença de uma miúda e 85% das prendas são para ela e úteis. Mas a miúda só está connosco no dia de Natal e não passa "a meia-noite" e nós habituados que estamos a rasgar o papel de embrulho das prendas aproveitamos os 15% para as prendas dos adultos. E são úteis e outras para safar e outras quase por obrigação. Mas é uma roda viva e nessa noite somos todos miúdos (piores que miúdos).
Também te posso dizer que esta tradição de prendas entre adultos surgiu quando os três miúdos se tornaram adultos, com responsabilidades e dinheiro para poder comprar e oferecer. Depois de crescerem não acharam justo só eles receberem (por ainda serem os mais novos) e resolveram começar a comprar para dar aos outros.
E foram os três que iniciaram a troca de prendas entre todos - adultos - sem faltar um!
Hoje há uma miúda, mas os adultos dão aos adultos também (e vai de um pai natal de chocolate a algo que alguém precisa mesmo nesta altura e canaliza-se para prenda de Natal).
Cada um dos adultos faz de Pai Natal e as bochechas vermelhas não são pintadas! Afinal, somos adultos e fazemos muitos brindes ao jantar!!
Rimos muito e adoramos rasgar o papel de embrulho das prendas!!!!!!

Um conceito de Natal e do sentido da vida

E é isto. Todos os anos, por esta altura, corremos feitos malucos para o centro comercial, em bandos, a comprar o que não podemos - quando o que deviamos fazer, na realidade, era oferecer mais sorrisos e consolo (que ficam bem mais baratos e rejuvenescem a alma de que os recebe). Mas não. Adoramos o cartãozinho de crédito. É ver quem dá a prenda maior. No que toca às prendas para as crianças da família, então, é a puta da loucura: estamos aptos a gastar uma pipa de massa pelo último grito dos carros telecomandados ou pela versão mais actual da Barbie na casa de alterne - mesmo que andemos por aí a cair aos bocados, desdentados, a pagar a casa, o carro, o frigorífico, a casota do cão, a ração do gato.

Nada disto faz sentido. E a culpa, em última instância, é sempre nossa. Desde cedo que os habituamos mal. Impingimos o espírito consumista dentro do próprio lar, afogando os miúdos com pedaços de plástico industrial transformados em brinquedos, made in China, concebidos por trabalhadores que têm idade para andar na escola. Todos os dias deviamos parar e pensar um bocadinho nestas merdas. Mas não temos tempo. Porque temos de ir para a fila dos embrulhos da Toy's'Rus ou do Continente. E depois levamos com a falsidade da Leopoldina, da Popota e de outras que tais, que não passam de mascotes fabricadas por marketeers, mascaradas de anjinhos bem intencionados que se desdobram em missões sorriso e coisas do género - mas que, em boa verdade, não são mais do que uma forma de pôr as figuras públicas a dar a cara pelas marcas de grandes grupos económicos. Mas disto todos sabemos e, mesmo assim, lá vamos nós para a fila dos embrulhos.

Na minha casa, é muito simples. Há prendas, claro que há. Mas só para os mais pequenos. E livros, não mais do que isso. Ainda ontem, por exemplo, dei de caras com a minha filha sentada no sofá, sozinha, a folhear um prontuário da Língua Portuguesa e a inventar histórias (como aquelas que o pai e a mãe lhe contam aquando da hora de deitar). Não é mais inteligente do que as outras crianças, com toda a certeza. Aquele momento revela, antes, o esforço de dois pais preocupados e que, quando crianças, queriam ter um livro de banda desenhada e não o tinham. Nem sequer era uma pistola de água ou uma boneca: era apenas um simples livro.

Nos dias de hoje, falta, em muitas casas, a consciência do que é ter pouco. Os miúdos nascem já com o Magalhães e a internet acoplados ao cordão umbilical. Tudo lhes é mostrado - quando deviam ser eles a descobrir o mundo. Pensamos que é por ali o caminho, sem pensarmos que estamos a direccioná-los para o abismo. Assim se tecem as malhas do egoísmo. Estamos a produzir pequenos robots em série, incapazes de actuar e a pensar perante um determinado imprevisto. Bem-vindos aos novos tempos.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

(Tempo)

Pára um tempo que fica doendo por dentro e passa por fora
Pára o tempo do vento que é o contratempo da nossa demora
Passam dias e noites, os meses, os anos, o segundo e a hora
E ao tempo presente é que a gente pergunta e agora e agora?

Tempo para pensar cada momento deste tempo
Que cada dia é mais profundo e é mais tempo
Para inventarmos outro tempo menos lento
Tempo dos nossos filhos aprenderem com mais tempo
A rapidez que tem de ser o pensamento
Para nascer, para viver, para existir
E nunca mais verem o tempo fugir

Ai o tempo constante que a cada instante nos passa por fora
Este tempo candente que é como um cometa com laivos de aurora
É o tempo de hoje, é o tempo de ontem, é o tempo de outrora
Mas o tempo da gente é o tempo presente, é agora é agora

Tempo para agarrar cada momento deste tempo
Interminável e absoluto rasgo o tempo
Num temporal com os ponteiros do minuto

Tempo para um relógio bater certo com a vida
De um homem bom, de um homem são, de um homem forte
Que da chegada conseguir fazer partida
E que desperta adiantado para a morte

José Carlos Ary dos Santos

domingo, 13 de dezembro de 2009

...


sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Gravedigger

Gravedigger
When you dig my grave
Could you make it shallow
So that I can feel the rain
Gravedigger


Gosto deste refrão

O autor é o Dave Mathews.

Para ouver, aqui.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Amor eterno

Conheço-a à pouco mais de uma década. Sempre foi muito bela. Desde o primeiro momento que a vi que senti este amor. Não se trata do “amor à primeira vista”, o clássico, o dos filmes. Trata-se de algo tão profundo que não é fácil descrevê-lo. Certo é, que os grandes amores, de uma maneira geral não são sentimentos de fácil descrição. Por vezes, nem nós próprios sabemos o que sentimos. Mas de facto, sabemos que sentimos algo sem no entanto o sabermos descrever.

Sobre o meu amor, quando a vi pela primeira vez, senti que este amor seria eterno. Foi tão forte, tão intenso, que quando o recordo, me emociono. Ficou-me no coração a primeira imagem, o primeiro momento e, se Deus quiser, nunca mais o esquecerei.

Dormia ao de leve, serena, envolta num manto branco. Toquei-lhe aos poucos na face, devagarinho, fiquei maravilhado. A sua beleza era única, nunca tinha visto uma mulher assim. A sua pele era lisa e fresca e os olhos, em repouso, pareciam dois riscos em arco, sorridentes e calmos. No centro da face, altivo, um nariz de petiz, arrebitado. Dos seus lábios recordo apenas a perfeição, recordo o delineado e curvilíneo acre, numa composição de pleno e de belo, um quadro que me encantou. Ao segurar-lhe a mão delicada, imediatamente apertou os seus dedos nos meus e suspirou quase sem se notar. Ainda sem o saber, ela sentia o mesmo por mim.

É eterno este nosso amor. É gratificante, é inspirador, renova energias e dá alento. Dá-me forças e por ela, asseguro-vos, movo montanhas e combato dragões, enfrento centúrias romanas e sem dúvida, sem a mínima dúvida, sem hesitações, troco a minha vida pela dela agradecendo, de seguida, a oportunidade.

Sobre a beleza do meu grande amor, o mundo poderá discordar, mas é isto que sinto pela minha filha e sobre isso, lamento, mas não há volta a dar!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Volumetria

Todos os dias cruzamo-nos. Bem vejo como elas me tentam. Baloiçam a cada passo e marcam o ritmo do meu dia. As maminhas da chefe são a minha rosa dos ventos. Estão ali mesmo à mão de semear. É frustrante olhar para o cardápio quando não se pode tocar no presunto (daí, aliás, que o fruto proibido seja sempre o mais apetecido). Ainda assim, as vistas não devem ser menosprezadas.

Gosto de seios geometricamente bem definidos. Volume q.b. associado a uma fisionomia que, à primeira vista, me parece verosimivelmente perfeita. Dá vontade de lhes saltar em cima, bem em jeito de um trampolim. As maminhas da chefe estão para as minhas mãos como as renas estão para o Pai Natal. Imaginá-las sem mim por perto é como pôr o Pai Natal a fazer um anúncio a um creme de barbear. Simplesmente não faz sentido.

Hoje, notei que a maminha direita estava mesmo disposta a sentir a pressão da minha mão esquerda. Ainda pensei em satisfazer-lhe a vontade, mas, por uma questão de cortesia para com a maminha esquerda, achei por bem manter a mão quieta. Poderia ter avançado com a mão direita, mas isso só iria enfurecer o seio esquerdo. Nada como pacificarmos a questão: é ir em frente com as duas mãos ao mesmo tempo e pronto. Assim também as duas maminhas o queiram.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A sorte calha-nos à nascença

Há dias conheci uma criança. Não me ficou o seu nome e por isso chamar-lhe-ei Rafael. Terá, se não me falha a apreciação, seis, sete anos. Loirinho, com aquele cabelo semi-encaracolado e jeitos rebeldes, aparentemente indomável que, a meu ver, faz pensar que o petiz é dono de um comportamento tão selvagem como aquele que o seu escalpe aparenta. Mas não. O Rafa (prefiro chamar-lhe assim), desloca-se de forma relativamente lenta. Até ver, as suas pernas demonstram a ausência daquela energia eléctrica que é característica nos miúdos desta idade. Creio que não nasceu com nenhuma deficiência física. Também me pareceu que não nasceu com nenhuma deficiência mental mas, no breve contacto que tive com ele, fiquei convencido que algo não funcionava correctamente dentro daquela cabecinha loira.

Sobre a cabecita loira, observei que a zona da testa fazia lembrar o homem elefante. Era excepcionalmente disforme, assimétrica, demasiado sobranceira, empenada e os seus ossos, cobertos com uma pele que já foi de bebé e que agora apresenta um sem-número de cicatrizes, estão anormalmente disformes. Não articula bem as palavras e com aquela idade ainda se baba ligeiramente. Tem olhos azuis. Tão azuis e tão normais que, neste contexto, quase me fazem chorar.

Quando o cumprimentei, naquele dia, senti uma mão áspera e anatomicamente imperfeita. Não estava bem vestido. Também não estava muito limpo.

Momentos depois, apareceu a mãe. Veio buscá-lo á escola. Abraçou-o quando ele correu para ela, de braços abertos e visivelmente feliz por a ver. Parecia uma mãe normal, igual a tantas outras que pude observar, noutras ocasiões, naquela escola. Nesta senhora destacava-se apenas, e não sei se me vai ser fácil descrever, uma espécie de olhar amoroso, uma atitude carinhosa com tudo e com todos, que se percebe, mas que não é comum.

Mais tarde, alguém me contou a história do Rafa. Diz-se que foi filho de boas famílias. A mãe, que não é a sua, é a dona do colégio para meninos órfãos onde o miúdo vive desde muito bebé. O Rafa não é órfão. As entidades competentes, há uns anos, retiraram-no do seio familiar. Os seus pais, ao invés de dar amor, enchiam-no de pancada, tão violentamente que o desfiguraram e o mutilaram de tal forma que os seus ossos, nomeadamente os da cabeça, assumiram formas diferentes dos das outras crianças. Foi esta a razão que alterou o bom funcionamento do cérebro deste loirinho.

O Rafa teve sorte, esteve quase, mas não morreu.

Uma vez vi o Rafa rir ás gargalhadas. Naquele momento, pareceu-me feliz.

Se acreditarmos que estamos cá no mundo com um propósito, o do Rafa será que é o de nos mostrar, quando estamos tristes achando que tudo é mau, que quando tudo é mau ainda podemos rir?

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

...

Tenho saudades. Do amanhã. De ter o que não tenho. De ter o que já tive e que me escapou das mãos. Apetece-me chorar. De tristeza e de alegria. Mergulhar na imensão do vazio e procurar um conteúdo para moldar e dar forma (ao que quer que seja). Apetece-me correr a passo lento. Devagar, mas com toda a pressa. Parar e pensar na vida (e em nada).
Por vezes, a melancolia e a angústia sufocam-me. Mesmo sem motivo aparente. Há dias em que é pela dor física e também por aquela que não se vê. Cada vez percebo menos o mundo. Porque sei que, no fundo, sou honesto, consciente do que sinto, verdadeiro e com vontade de aprender. Sempre. Mas viver todos os dias cansa. Porque sim. Ou porque não.
Apetece-me apanhar a maré vazia. Sozinho. Aguardar que a água vá subindo, até me afogar os sentidos. Está quase. Já sinto a ondulação gélida a debater-se com a minha pele. Estou prestes a fechar os olhos. Já vislumbro os cardumes coloridos e a beleza das algas. Quero ficar aqui para sempre. Mesmo para sempre.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Cruxifiquemos os nosso nacos como se fossem um só

Cada vez que se abeira a mim, toca-me nos sentidos. Reparo em cada contorno do seu corpo. Se este tipo de contemplação está implícita na própria natureza dos homens, então, em mim, parece estar muito mais. Há algo em M. que vai muito para além daquilo que vemos. Talvez a idade e a experiência lhe tenham toldado o sentido da vida e a percepção do mundo em que vivemos. Só assim se pode explicar o seu jeito afável com que nos suporta - sobretudo nos momentos em que estamos com o cio. Contemplar M. é ver as estrelas (mesmo nas noites em que as nuvens encobrem o céu).

Admirar a beleza de M. e contabilizar sorrateiramente cada curva do seu corpo esguio e apetecível é apanhar um banho de sol (mesmo nos dias agitados pelo vento, em que troveja, chove e faz frio). Há toda uma estética e maneira de ser que nos faz acreditar que há ainda muito para aprender. Não importa a idade - mas antes aquilo que fazemos com ela. M. merece uma observação científica; um olhar clínico. A mim, sei bem qual o diagnóstico que me faria (e o tratamento que me deveria aplicar. Mas isso são princípios activos que não cabem aqui neste prontuário terapêutico).

M. remete-nos para um mundo de fantasias e sensualidade. Não falo de algo de cariz meramente sexual. Para isso, bastar-me-ia a carne que tenho no talho lá de casa - que sabe bem, diga-se de passagem, e está tenra como nunca; agora que falo nisso, acho que a qualidade dos nacos que tenho comido recentemente supera quaisquer outros de produção biológica ou com Denominação de Origem Protegida.

Mas não nos desviemos do essencial: M. faz-nos bem à vista. Eu, por mim, aprenderia e treinaria toda a essência da linguagem braille com ela. Ou provava um pouco da sua carne. Uma espetada mista era o ideal. Assim, o talho ficaria mais composto e diversificado.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Para os mais distraídos...



Ankh significa Chave da Vida... e eu trago a minha comigo...

...

Vivemos todos num grande equívoco. O mundo é uma mentira redonda, onde cada um de nós se julga dono e senhor da verdade. Perdemos o espírito aventureiro. Temos medo e andamos com o rabinho enfiado entre as pernas. Se fossem vivos, Vasco da Gama e Colombo nem nos reconheceriam enquanto povo ousado e destemido. Hoje, cingimo-nos a navegar timidamente na espuma dos dias, sempre desconfiados, com receio da rota escolhida. Substituimos a bossula e o canivete suiço pelo manual dos bons costumes.

Vemos uma floresta e pensamos logo que é o cabo dos trabalhos; que mais vale não entrar nela, senão ainda nos perdemos entre o arvoredo. Somos uns mariquinhas. Em vez de soltarmos a franga, não passamos de cordeirinhos amestrados. Estamos demasiado ocupados com a aparência, quando deviamos prestar mais atenção ao conteúdo. O mundo não é nenhum castelo encantado, mas a verdade é que sabemos ser, cada vez menos, princípes e princesas. O romantismo morreu e nem sequer se dignaram a fazer-lhe o cortejo fúnebre.

Prosseguimos as nossas vidinhas, preocupados com o nosso umbigo, sem nos interrogarmos se aquela pessoa que ali está mesmo ao lado se encontra bem. Não nos fica bem deixarmos os nossos filhos entregues à sua mercê, nesta forma de mundo que estamos a criar. A loucura está em extinção. Não foi por, em pequenos, saltarmos a cerca, invadirmos o pomar alheio e encher a barriga de laranjas que veio mal ao mundo. Antes pelo contrário. Talvez um pouco mais de loucura e o mundo não fosse tão insano.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Num instante, tudo (ou nada) muda

Há jantares que deviam durar uns 2 ou 3 dias. Assim, até a sangria substituir todo o sangue que corre nas veias. Nove anos podem fazer toda a diferença. As onze pessoas que os separam também. Junte-se agora uma noite repleta daquela chuva miúda que nos lava a alma e uma operação stop, encetada pela PSP, para nos incentivar a estar ali, quietinhos, a falar sobre tudo e sobre nada. As histórias transbordam e cada copo que se enche convida-nos a um brinde, onde o tilintar do vidro nos faz mesmo acreditar que não é um sonho; estamos mesmo, (quase) todos, ali.
Muita coisa mudou. No entanto, tudo parece ter permanecido. As cumplicidades continuam a existir, o som das gargalhadas continua a sair da forma como sempre imaginámos. Há uma ternura infantil e inconsciente que nos faz despertar a líbido da vida. Até um impropério ou uma qualquer tentativa de agressão verbal se torna tão meiga que apetece estar a noite toda a dizer barbaridades. Entre isto ou ir para Amesterdão comer tarte de leite condensado, não tenho dúvidas que prefiro o reencontro. Também dá moca e não se paga mais por isso.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Há noites copuladas, não há?

O LJ continua a colocar posts no blogzinho dele como se não houvesse amanhã; eu continuo a aguardar pelo texto do LJ com a mesma paciência de ontem; as babatas fritas Ti-ti continuam boas (mas agora têm um bocadinho de óleo a mais do que tinham noutros tempos); comer 2 fatias de pão barrado com Tulicreme (acresce manteiga, fiambre e queijo) é altamente indigesto; o programa didáctico «Férias Escaldantes» (SIC Radical) não passa nas madrugadas de 3.ª feira... A esta imponente lista poderiam somar-se outros pormenores que enchem a vida de um gajo, assim, numa só noite. A insónia é madrasta. Há que contrariá-la.

Não é tanto pelo LJ (já sabemos o que a casa gasta) nem mesmo pela aparente perda de qualidade das batatas Ti-ti (à atenção do fabricante Jorge & Cardoso, Lda: deixem escorrer bem o óleo das rodelas dos tubérculos antes de as embalar, por favor). O que me põe mesmo fora de mim é saber que, com a dose quase letal de drogas que estou a tomar para as anginas e sintomas afins, eu deveria estar a dormir, pelo menos, desde 2.ª feira. Até hoje à tardinha, mais coisa menos coisa. Mas não: vou para a cama e, só de os contar tantas vezes, são os carneiros que adormecem.

De modo que o relógio aponta para as 2h da manhã e estou pronto a ir para os copos com a Calleigh Duquesne. Mas ela não pode porque, a esta hora, está a resolver o misterioso caso de um corpo que apareceu ao largo da praia de South Beach, ali para os lados de Miami. Pode ser que, quando acabar o CSI, a Calleigh já esteja disponível. E aí terei de dizer que não. Porque, nessa altura, já a Liliana Aguiar me entrou pela casa adentro, a querer oferecer-me dinheiro («Sempre a somar» ou lá como se chama a merda do programa da TVI, que nos faz compreender a essência do suicídio). Não que ache a Liliana particularmente interessante. É mesmo pela oportunidade de a ter por perto. E empurrá-la do 3.º andar. Basta um maxilar deslocado ou qualquer outra coisa que lhe impossibilite de abrir a boca.

Deixemo-nos de alucinações. Já basta o elefante que me apareceu na varanda, durante o dia de ontem. A minha mulher garante-me que é uma borboleta, mas ninguém me tira da ideia que é um elefante. Digo isto porque é um bater das asas bem diferente das vulgaríssimas Lycaenidae. Agora vou tomar mais uma dose de paracetamol, coadjuvada com amoxicilina e ácido clavulânico. Com umas baforadas valentes de fusafungina. Amanhã é um novo dia, deste maravilhoso ano de 2038.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Discutir comigo quando tiveres oportunidade...

Bom, feitios diferentes geram mal-entendidos. Maus hábitos, talvez, façam o mesmo.
A verdade é que quando há problemas fico louca a resolvê-los, dando resposta às solicitações das outras pessoas e colocando a minha pessoa e as solicitações da minha pessoa em segundo, terceiro, quarto, quinto... etc... plano.
Em primeiro os outros e depois eu (eu e os meus - os que fazem parte do meu eu dos quais espero alguma compreensão).
Para quem me conhece há mais tempo, entranha-se esta minha atitude (que não será a mais correcta - é defeito, feito, mau hábito ou hábito simplesmente).
Para quem me conhece há pouco tempo, estranha-se esta minha atitude e geram-se os mal-entendidos, azedumes ou algo do género.
Tivemos a nossa primeira "discussão" o que será sinónimo de dizer que nos estamos a conhecer. O que é positivo, ou não??
Há determinadas situações das pessoas à minha volta que me fazem fechar a porta ao "mundo exterior" enquanto não estiverem bem. Mas não me esqueço do "mundo exterior" e não faço birras do género de desaparecer porque não gostei de algo que me disseste, entendes? O fechar a porta ao "mundo exterior" neste caso é porque não consigo dar resposta a tudo e tenho de estabelecer, mais ou menos consciente, prioridades.
Um dia, posso fechar a porta ao "mundo exterior" porque estou a dar resposta à tua solicitação e enquanto não estiveres bem, as outras solicitações da minha pessoa serão segundo, terceiro, quarto, quinto... etc... plano.
Os MEUS problemas são outra história e lido de outra forma... um dia se estiveres presente ou a assistir também poderás achar estranho. Espero que rapidamente entranhes o meu defeito, feitio, mau hábito ou simplesmente hábito.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Walking alone

Gosto de complicar e de que me dêem de beber os venenos mais lentos. Adoro bebidas amargas e drogas poderosas. Tenho uma predilecção pelas ideias mais insanas e pelos pensamentos mais complexos. Tenho um apetite voraz pelo lado B da vida e estou possuído por delírios loucos. Se me empurram por um penhasco abaixo, digo: «força. Adoro voar».

Estou cansado de fórmulas certinhas, de equações com resultados óbvios, de comida sem sal, de camisas engomadinhas, de vidinhas monótonas, da desvalorização das palavras. Odeio puzzles já resolvidos. Prefiro jogar sozinho. Não me mostrem o que esperam de mim. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual. Aceitem a minha diferença como eu aceito a normalidade dos outros. Para mim, amar pela metade é como voar com os pés no chão. Posso ser como sou, mas com a certeza de que não serei o mesmo para sempre.

Toda a desilusão é um aviso. Não vale a pena perder tempo com lamentações. A vida é o que é e mais aquilo que não é. O que é bom dura pouco ou não chega a começar. Mais vale matarem-me de vez do que me deixarem a sonhar com uma vida de ilusão. Antes um acordar carrancudo do que um sono que só serve para passar o tempo. Antes afogar-me a tentar atravessar o rio do que atalhar pelo caminho mais fácil; antes construir a ponte do que percorrer quilómetros que levam a lado nenhum. A mim, conheço-me bem: não preciso arrancar o coração do peito para mostrar que o que ele jorra é sincero e verdadeiro. Decidi ir sozinho. Agora mesmo.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

«Do futuro, só há a certeza do passado...»

[clicar para aumentar]

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

É a vida

Na vida, há três grandes problemas: o quero, o devo e o posso.
Há coisas que quero mas não devo; há coisas que eu devo mas não posso; e há coisas que eu posso mas não quero.
Quando é que temos paz de espírito? Quando o que quero é o que posso e devo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A razão da vida

Ainda não sabes, mas foram os teus olhos que me fizeram ver o outro lado da existência. Anunciaste a tua chegada à minha vida com um choro decidido e sonoro. A personalidade forte já estava bem vincada no timbre da tua voz. Bastou não mais do que um mero instante para que as minhas lágrimas, desprendidas timidamente, se juntassem às tuas. Naquele momento, fiz um juramento que ainda hoje guardo só para mim. Prometi que, um dia, to direi ao ouvido. Só a ti.

Todo o tempo do mundo é pouco. Cada segundo que passamos juntos parece uma doce miragem. Porque o tempo não pára - e quanto mais passa, mais nos amansa a memória. Cada instante só nosso é uma ocasião especial que transformarmos num veleiro de emoções. Soltamos as velas da folia e navegamos num mar sem fim de puro encantamento, até que âncora do cansaço nos faça cair nos braços um do outro. Tantas vezes adormecemos assim, os dois, embalados pelo canto das cigarras e com o brilho da lua a entrar-nos pelo quarto adentro.

Havemos de repetir os finais de tarde de Verão, estendidos na rede amparada pelas mesmas duas árvores que, também elas, me viram crescer. Permanecemos quedos e mudos, a contemplar o pôr-do-sol, enquanto partilhamos uma fatia adocicada de melão. Havemos de reviver as noites passadas no campo, deitados na mesma velha esteira onde, em tempos, inventei brincadeiras, chorei e ri. No alpendre, contaremos, como sempre, todas as estrelas do firmamento. Sabemos que aquela que brilha mais forte é só nossa.

Gosto muito de ti - e haveremos de falar disso todos os dias. Foste o melhor que me aconteceu na vida. Tão certo quanto a nítida recordação do cheiro da tua pele macia e frágil, que guardarei para sempre na memória, nos primeiros dias em que descobrias o mundo.

sábado, 10 de outubro de 2009

(a)roma

Quando despertamos de um sonho, a vida perde o (a)roma...

Cada segundo foi diferente

Esta semana teve de tudo...
Encontros, desencontros, amuos, birras, gargalhadas, velocidade em excesso (muita velocidade), velocidade zero, lágrimas, berros, sorrisos, cansaço, alegria, álcool, mar, amigos, ratazanas, zinks, tangos, licor beirão, vodka, poncha, flores, revistas (muitas revistas), apoio, confusão, problemas, vitórias, derrotas, discussões, saudades, imprevistos, chuva, fome, taquicardia, tristeza, desilusão, poemas, recordações, surpresas, pizza, vídeos, convite, estudos, mudanças... e acho que não aguento mais...

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Palavras

As palavras teimam em ficar aprisionadas. Indago por elas, mas em vão. Mesmo as mais simples parecem ter embarcado nesta obstinação, deixando-me a braços com o silêncio vago e cru. Tenho a sensação que cada letra me fugiu das mãos. As vogais desentenderam-se com as consoantes; o sujeito voltou as costas ao predicado; a fonologia e a semântica deixaram de fazer sentido. Como se não bastasse, falta-me a voz. E o bater forçado no teclado denuncia já alguma fraqueza.

Não me solto. Estou encarcerado nos teus passos, sem saber porque não me liberto. Nem eu próprio entendo o encanto que tens e que me fascina. Bem sei que és veneno. No entanto, e quanto mais te condeno, mais quero ficar. Bem sei que é loucura. Mas tudo em mim te procura quando não estás.

Teria tanto para te dizer. Só que as palavras insistem em andarem desencontradas com a minha vontade. Elas preferem o silêncio do que a ouvirem-se entre si mesmas. O significado dos sons articulados, contudo, continua a ser o que sempre foi: verdadeiro e sincero. Gostava de colocar um ponto final, mas não consigo. O tempo é demasiado precioso para deixar a frase a meio. Sozinho, não me cansarei de procurar os verbos que quero conjugar; mesmo que conjugados no pretérito perfeito; e mesmo que nunca exista uma primeira pessoa do plural.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A voar

A capacidade de acreditarmos levará a nossa alma até ao céu; a concretização daquilo em que acreditamos trará o céu para a nossa alma.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Por um momento

«Há fotografias que mentem. Porque as fotografias suspendem a felicidade de um momento (tal como se ele fosse eterno). Aí, tu ficaste para sempre - feliz, suspensa e eterna. Essa é, hoje, a imagem mais forte, mais verdadeira, que tenho de ti. Não saias desta nossa fotografia. Nunca.»

(Miguel Sousa Tavares, NO TEU DESERTO)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Rumo a destino incerto (mas com certezas na bagagem)

Nem sempre temos o que queremos e queremos o que temos. Uma determinada circunstância, por exemplo, pode ser vivida de forma abstracta, algures entre o ter e o não ter. Porque, mesmo supondo que nunca o iremos ter, há fixações que se nos permanecessem enraizadas na mente (não confundir com viver na ilusão). A psicanálise explica: a fixação não é mais do que um estádio onde se fixa um determinado desejo e que é caracterizado pela persistência, até que a vontade expressa seja, finalmente, cumprida.
Muito sumariamente, é isto: os psicanalistas convivem muito mal com a realidade. Deviam sair mais vezes de casa. São desfragmentados ao nível da insanidade. Deviam fazer uma ou outra loucura para perceberem a essência da vida. São demasiado perfeitos. Se fossem suficientemente alienados (ou doidos, recorrendo à gíria) talvez percebessem que nem sempre a vontade expressa é cumprida - por muita persistência que possa haver, por intermédio da fixação.
Falando pouco ou nada metaforicamente, também é isto: a vida vale muito pela dimensão que atribuímos às «coisas». No meu caso particular (e não sou suspeito para falar, porque conheço-me há muito tempo para saber que a minha loucura tem uma certa sanidade e bom senso q.b.), dou muito valor a tudo aquilo que acho que mereça ter valor. Mas isso sou eu, que - apesar de uma certa sanidade e bom senso - não deixo de ter, afinal, uma capa que esconde uma dose de loucura (polvilhada com uma pitada de parvoíce que, por vezes, me leva a ser injusto para com as pessoas que gosto).
Não sei para onde caminho (mas sei que rumo desejaria tomar). As mudanças, mesmo que aparentemente bruscas, não me assustam. O que é certo é que me sinto sozinho numa peregrinação a destino incerto. Tornei-me crente mesmo sem o pretender. Não estava nos planos, sequer. Simplesmente aconteceu. Mesmo sabendo no que acredito e no que sinto, tenho de reflectir sobre a posssibilidade de me tornar, tão depressa quanto possível, num psicanalista...

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Da vida (II)

Olá. Falar "da vida" é, sem dúvida, assunto pleno de confusão, emoção e respiração... Podia ter feito um comentário, mas pareceu-me pouco para me pronunciar "da vida".
Falar "da vida" é falar das nossas escolhas passadas, presentes e futuras. Apagar? Não, nunca. São elas que fazem quem eu sou, quem tu és. Ter vergonha, também não. Voltar atrás? Não. Se as vivi foi porque as precisei de viver e elas enriqueceram. Não aplaudo tudo o que fiz e faço e farei. Já fui louca assumida. Já quis apagar o sopro de vida em mim. Já dei gargalhadas bem alto sozinha no meio da rua.
Vivo num constante limbo entre a alegria e o sofrimento e em todos estes anos não consigo mudar isso. O que está na base, eu sei. É a revolta. A revolta para com "a vida"; para com as circunstâncias que me envolvem tão profundas como a morte de alguém ou como o cheiro e o toque de quem se ama... e sinto tanta dor como sinto tanto prazer.
Às vezes penso na minha vida e na maneira como reajo a ela de uma forma em que parece que toco tudo com as pontas dos dedos. Sinto tudo e filtro tudo nesta epiderme. Processo de forma instintiva e reajo. Combate? Sempre pronta!
Sou capaz de amar ternamente como de ripostar de forma animalesca. Preciso sempre de uma droga para me equilibrar. O teu sorriso, o sorriso dela. A vossa presença fazem-me cantar de alegria. Porque a minha vida é muito mais. É a vossa vida com todas as escolhas feitas por vocês. Não apagues a riqueza dentro de ti. Não me faças pensar que tenho de ter os pés no chão desta terra que piso e como tal apagar o que fui e quem eu sou...

Com todo o meu amor.

domingo, 20 de setembro de 2009

Da vida

Há momentos em que, tão só e simplesmente, me apetecia ser apagado. Porque, apesar da minha obstinação em forma de casmurrice, sinto que merecia um mundo melhor. Não que não faça por isso - por pouco que seja - todos os dias, mas antes porque o mundo é, de facto, cruel. Não deve ser por acaso, aliás, que anunciamos a nossa chegada com lágrimas, ladeadas por gritos abafados de mágoa que nos despejam a alma e esvaziam os pulmões. Suponho que, nos primeiros instantes após o nascimento, a epiderme sente logo o toque agreste do mundo; uma espécie de brisa que resvala a pele, bem em jeito de aviso, de que a vida não será fácil.

Viver é (ou deveria ser) a coisa mais rara do mundo. No entanto, a maioria de nós limita-se a existir (por todas as mais variadas e complexas razões, o que nem sempre deve ser censurável). Sinto que sou um louco porque vivo num mundo que não merece a minha lucidez. O mundo parece-se, cada vez mais, com um palco onde muitos aparentam viver no limiar da felicidade. Pomos um ar sereno, envergamos o nosso melhor fato do optimismo e acreditamos que amanhã é que vai ser. Entretanto, fechamos os olhos ao passado e mordemos os lábios, na vã esperança de que o dia de hoje não seja mais do que isto: normal.

Tenho pensado no meu mundo - no que tenho e no que poderia ter. Não sei, sinceramente, em qual destes dois reside (ou residiria) a minha maior felicidade. Provavelmente - e porque há sonhos que nos perseguem - seria muito mais feliz no mundo que poderia ter. Não que aquele que hoje tenho seja sinónimo de eterna tristeza; bem longe disso, aliás (ou, pelo menos, bem menos longe do que já fora em tempos mais longínquos). Mas porque sei que, no mundo que eu poderia ter, há todo um conjunto de (im)possibilidades que me dariam ainda mais coragem para correr com ânimo renovado, na ânsia de alcançar sonhos, vontades e desejos.

Ninguém tem a obrigação de entender ou de aceitar o meu mundo; apenas que o compreendam, nada mais. Porque ele pode parecer complexo, mas é simples. Vivo muito em função do aqui e agora. Respeito o que sinto e admiro, sem jamais querer impôr quaisquer concessões (ou ferir susceptibilidades). É por isso que, por vezes, nas mais diversas circunstâncias da vida, tenho a leve sensação de que sou aquela folha que caiu do cimo da árvore, tendo sido capaz de desarrumar todo um universo inteiro. Pressinto que posso estar sem quererem propriamente que eu lá esteja (apesar da minha vontade de me ficar). É uma generalização, de resto, que se aplica a todos os campos da vida.

O meu avô dizia-me, com o ar mais sábio e meigo deste mundo, que há três coisas na vida que nunca voltam atrás: uma flecha lançada; uma palavra pronunciada; e uma oportunidade desperdiçada. Sobre as palavras pronunciadas: posso até nem concordar com tudo o que algumas pessoas dizem. No entanto, sou capaz de defender até à morte o direito que elas têm de o dizerem. Este é o caminho da verdadeira amizade (providenciada por quem nos rodeia e por quem gostamos), que nos leva a saber tirar proveito das oportunidades, sem nunca deixar que as flechas não acertem no alvo.

Intriga-me saber o que pode haver muito para além da própria vida. Nada do que somos deverá ser por mero acaso; nada do que nos acontece (ou não acontece) terá de ser apenas ocasional; há um sofrimento (que, sem dúvida, não é distribuído de forma igual por todos) que terá de ser compensado de alguma maneira. A haver justiça divina, seria razoável que ela fosse posta em prática ainda aquando da nossa passagem pela Terra.

Talvez assim fossemos a tempo de evitar desperdiçar oportunidades; talvez tivessemos mais coragem em transformarmos o mundo que «poderíamos ter» no que «temos»; talvez a nossa loucura fosse suficientemente contagiante para fazer com que o mundo não fosse demasiado normal e enfadado, cheio de regras e assombrado por falsos atilados que nos lembram, a todos os instantes, que há sempre uma norma qualquer para nos fazer calar o bater compassado do coração.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O preço da distância

As palavras, quando ditas à distância - e mesmo que sejam repletas de sabedoria -, não têm o mesmo efeito quando ditas olhos nos olhos. Podemos até estar juntos e não dizermos uma só palavra, mas a circunstância de estarmos lado a lado, sem essa coisa nefasta da distância, consegue ter mais impacto do que um conjunto de sílabas.
Porque a distância dói, mói, corrói. Desmotiva-nos, até. Não termos por perto os que muito nos dizem - e que são capazes de verbalizar um elogio, um grito de desabafo; o que seja -, faz-nos pensar no quão fútil é o mundo. Por muito maior que ela seja, são as pequenas coisas que importam. Um abraço, um beijo, um olá, um obrigado, um «podias ter feito este trabalho bem melhor». Acima de tudo, a vida vale por quem, no dia-a-dia, nos diz isto e muito mais. Tudo isto se passa numa pequena parcela da Terra. E, mesmo assim, conseguimos, por vezes, ser tão fortes que o mundo se torna demasiado pequeno à escala daquilo que verdadeiramente somos, fazemos e sentimos. Acho que vale a pena continuarmos a batalhar. Por mim, pelo menos, já valeu a pena...

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Todas as ruas do amor

Se sou tinta
Tu és tela
Se sou chuva
És aguarela
Se sou sal
És branca areia
Se sou mar
És maré cheia
Se sou céu
És nuvem nele
Se sou estrela
És de encantar
Se sou noite
És luz para ela
Se sou dia
És o luar

Sou a voz
Do coração
Numa carta
Aberta ao mundo
Sou o espelho
D`emoção
Do teu olhar
Profundo
Sou um todo
Num instante
Corpo dado
Em jeito amante
Sou o tempo
Que não passa
Quando a saudade
Me abraça

Beija o mar
O vento e a lua
Sou um sol
Em neve nua
Em todas as ruas
Do amor
Serás meu
E eu serei tua




Intérprete: Flor-de-Lis
Letra da canção: Pedro Marques e Paulo Pereira

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Já chegaste?

Pergunto-me se já chegaste e com isto só me lembro "deves estar a chegar (estiveste tão longe e agora deves estar a chegar)". Espero que estejas bem. Por algum motivo estou desmotivada (mas deve haver um motivo para esta falta de motivação).
Suspiro quinhentas vezes e em cada suspiro sinto o meu pavio da vida a consumir-se rapidamente e com ele vai a minha luz. Entendes? Sinto-me assim desde ontem... a apagar-me. E tu estás longe e não me podes dizer aquelas coisas certeiras que me fazem perceber que ainda não perdi completamente a minha sanidade. Fazes parecer que tudo aquilo que eu sinto de anormal em mim é o mais natural da vida. E eu vou deixando de me sentir assim tão estranha e... a apagar-me.
Já chegaste?

Leituras de viagem

Levo, nesta minha viagem, três livros. Demorei aproximadamente 3h45 para escolher dois deles. O outro - o de capa branca - foi gentilmente ofertado pela senior account cá de casa. Além de me ter ficado barato (não foi, sequer, comprado com o meu cartão de crédito), ajudou-me a economizar tempo. Se eu tivesse de escolher um terceiro livro, arriscava-me a acabar a selecção lá para as 5h da manhã. E era chato. Mas, de todos eles, há um que salta à vista...
...«O Signo dos Quatro». Não tanto pelas qualidades por demais evidentes do autor (A. Conan Doyle), mas antes porque o 4 é, em si, um algarismo especial. É um número que - na minha singela perspectiva - encerra toda uma mítica que permanecerá, para sempre, no tempo. Cerro os olhos e imagino o 4...
Num instante, assaltam-me à memória imagens dispersas e difusas de círculos quadrados; água (será de um rio?); dois pares de copos atestados com sangria; televisões que não funcionam (há aqui influência do 4, tenho a certeza); gemidos (não foram 4, mas - pelo menos - duas vezes, isso foram).
O 4 é um número que me acalma o espírito e me faz dormir. Mas há algo no 4 que, qual contrasenso, me faz sobressaltar (como se de um pesado ressonar se tratasse). No fundo, o 4 é um algarismo fofinho e uma besta.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Reflexões quase em tempo de check-in...

Makira, a vida é o que é e vale aquilo que vale. Se é muito ou pouco, só depende (em parte) de cada um de nós. Mesmo que, por vezes, possa parecer que estamos a atravessar o cabo das tormentas, não merece a pena hastear a bandeira branca e desistir a meio da travessia. Sei do que falo porque sou exímio em caminhadas difíceis. Tenho o dom de me calharem em sorte (não é escolha; simplesmente acontece e, contra isso, nada há a fazer; e contrariar a alma é como pôr uma venda nos olhos) percursos sinuosos. Mas sei que alguns desses atalhos me levam a caminhos muito felizes.

As circunstâncias fazem parte da vida. Umas mais dolorosas do que outras, mas acredito que nada é fruto do acaso. Passei a dar mais importância ao momento presente. Porque há segundos ou minutos que, no fim de contas, valem toda uma vida. Passei a escutar mais a voz do coração e a silenciar a da razão. E, assim como assim, a razão não explica tudo (nem consegue, sequer, ter a capacidade de nos fazer acelerar o batimento cardíaco, por exemplo).

Também não sei lidar com as saudades. Também fico de mau humor. Ou (contrasenso, eu sei), com um aparente bom humor (mas que não passa disso mesmo: uma aparência que serve apenas para camuflar uma espécie de formigueiro interior; um vazio interior; de que algo fica). É nas alturas em que a distância me separa dos que mais gosto que emerge, ainda mais, este saudosismo. Vejo toda a vida passar-me à frente, em frames sequenciadas, e apodera-se de mim uma vontade inolvidável de voltar aos momentos em que já fui muito feliz. E não há dinheiro que pague a felicidade - mesmo que passageira e marcada no tempo.

Não sei como será o dia de amanhã. É essa incerteza que justifica ainda mais a outra certeza; a da necessidade de saborear o presente (ou, por outras palavras, de fazer com que este tempo presente seja memorável no futuro). As más recordações também existem e fazem parte da vida. Mas é por isso que lhe chamamos passado. O agora é tudo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Saudades

Não lido bem com saudades. Fico de mau humor. Detesto contagens decrescentes. Prefiro pensar na globalidade e depois surpreender-me com a proximidade do fim das saudades.
Mas além disso, acho que há saudades e há saudades. Há outras saudades que nos fazem sentir bem, como dois braços a agarrarem-nos e a paralisarem-nos naqueles instantes segundos de viagem ao passado. "E lembraste quando..." até dá para sentir cheiros, ver o filme e trazer novamente as emoções. No fundo, o que remonta ao passado, se tiver sido um passado bem processado, poderá trazer este tipo de saudades que se taduzem por um sorriso no presente ou uma gargalhada pelo que foi e soube bem.
Não gosto de remexer no passado. Aconteceu. Já não faz parte do presente. Mas confesso que, às vezes, o remexer pode ser um momento bem passado no presente. Sem significado para o presente - é como ver um filme. Passa-se um bom momento a recordar.
Hoje mais do que nunca precisava de "fugir" do presente. Na nossa conversa utilizaste bastantes vezes este termo. "Fugir", "fugir" e, afinal, no presente, ajudaste-me a "fugir". E no presente eu precisava de "fugir".
E a armadura não serve apenas para o combate, a menos que eu esteja numa batalha todos os dias... se calhar é isso. Mas já estou a conseguir levantar o peso da armadura.
Obrigada pela disponibilidade e por simplesmente "estares".

PS - vou tentar ser mais oásis e menos enxurrada.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Contagem decrescente

Não sei se já será efeito das milhas de distância a que estarei sujeito... Mas, qualquer das formas, tenho muitas saudades de deixar em terra os que ficam e os que me dizem muito. Partirei, tenho a certeza, com a sensação de que ficará por cá um pouco de mim - o que é muito. Talvez o destino, por ser longínquo, ajude a adensar este meu jeito peculiar para saudosismos. O facto de não poder festejar um aniversário, por exemplo, favorece ainda mais este sentimento.
Conhecendo-me como conheço, darei os últimos passos na gare do aeroporto de olhos postos no chão, com a memória vincada em tudo o que de bom me aconteceu nos últimos tempos. É uma espécie de balanço da vida em 5 minutos - estúpido, eu sei, mas é um avião e temos de respeitá-lo...
Há várias pessoas que incluo na bagagem. Vão comigo e não as largarei nem por um minuto. Fazem parte de mim - seja de que forma for - e tão depressa não as deixo viver sem o meu lado casmurro. Só peço a Deus que eu lhes faça tanta falta como elas me fazem a mim. Até já...

domingo, 6 de setembro de 2009

Salaam e ishq

Alma

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Querida, mudei a roda

Sou um homem. Daqueles capazes de mudar a roda do carro e tudo (este «tudo» inclui descobrir o sítio exacto da roda suplente, do macaco, da chave especial para desapertar a porca de segurança presa à jante e de um outro acessório que serve para desenroscar as tampas das restantes porcas). A grandeza do feito ganha outra dimensão se pensarmos que o processo (em estreia absoluta) demorou apenas 45 minutos. E que foi testemunhado por 4 ou 5 mecânicos que, na altura, estavam a arrumar calmamente a oficina, que estava "quase" a fechar...

O facto de estar acompanhado pela sujeita ajudou. «Então, está a correr bem?»; «queres que telefone ao meu pai para saber como se tira isso?» (ela saberia que «aquilo» era uma roda?). As perguntas, entoadas enquanto a dita cuja vislumbrava o pôr-do-sol e aquecia os costados, apoiados na porta lateral desde o início até ao final da mudança da roda, deram-me ainda mais ânimo e força. Apoderou-se de mim uma fúria tal que não houve qualquer porca que não tivesse saído logo à primeira tentativa. Hoje, o meu destino é ir buscar a roda devidamente reparada e substituí-la. Questão fulcral: como (e onde) encaixar a roda suplente?

«Queres que telefone ao meu pai para saber onde se mete a roda suplente?»... Não quero que a minha destreza seja novamente posta em causa por mensagens de "incentivo" desta natureza. Várias possibilidades em aberto: deixar a sujeita em casa a fazer o jantar; soltá-la num centro comercial (sem levar o meu cartão multibanco); convencê-la a fazer uma peregrinação desde Sete Rios até à Amadora, em honra de Nossa Senhora dos Pés Descalços; empacotá-la numa embalagem em cartão dos CTT e enviá-la, com carácter urgente, para a Zâmbia. Que fique bem claro que não tenho nada - mas mesmo nada - contra os cidadãos que vivem na Zâmbia.

Depois disto, sinto que (já) mereço o céu.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Cumplicidades na areia

Entre decisões difíceis como virar de barriga ou de costas para o sol na toalha estendida na areia e mais próxima ou afastada do mar, surgem as inevitáveis cumplicidades na areia.
É um soninho que se faz logo pela manhã, umas gargalhadas pelo vislumbre de algo captado a quatro olhos e os arrepios que se sentem quando de forma heróica se entra num mar gelado.
Pouco se fala das vidas até porque o objectivo da missão é relaxar o mais possível e o que há de comum entre as vidas não é todo assunto que nos queiramos lembrar quando queremos relaxar. Mas curiosamente é esse comum que nos revela outras cumplicidades, como a contagem decrescente ou as prendas de partida para nos lembrarmos que existem. E também o à vontade com que se está, ainda que a música que toca no rádio nem sempre é favorável a um dos elementos... aprende-se a conhecer os gostos e aprende-se até a deprimir e a stressar por assistirmos à vida amorosa de dois bonecos da Walt Disney.
Sabe bem quando tudo é simples, espontâneo e muito divertido! Sabe bem quando as cumplicidades acontecem e não são forçadas!!

PS - Há histórias que ficam para uma outra altura... ter segredos é importante e o telefonema do "beijo" é exemplo!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Feitas as contas

Há momentos que, ao fim de uma vida, valem uma eternidade.

terça-feira, 28 de julho de 2009

O efémero do centro da vida

O centro da vida tem um estatuto especial e digno de ser valorizado: o de ser efémero. Gosto de pensar no centro da vida como a chama de uma vela. Se tudo obedecer à lei natural, a chama vai consumindo lentamente a cera e extingue-se com a naturalidade de um envelhecer em que se já respirou todo o ar, toda a vida. Outras vezes, a chama extingue-se por influência exterior, talvez por uma brisa que foi um pouco mais forte e apagou a luz. Seja em que condição for, quando se apaga não se reacende de forma espontânea.
Antes que a minha luz se apague, que a minha chama se extinga, quero fazer tudo por tudo para ter direito a sentir que respirei bem todo o ar enquanto podia. Digo-o porque sinto que não o estou a fazer como o desejava. Há muitas pontas soltas que ficam sem serem agarradas. No fundo, há muitas lágrimas de cera que caiem sem serem consumidas pela chama.
O que sinto resume-se a... não deixem de ter o colo que precisam; não deixem de dar o ombro a quem precisa; não deixem que as circunstâncias da vida vos toldem o andar, enquanto a vossa chama se vai consumindo. Um dia ela apaga-se e esse dia pode ser hoje.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O tempo nunca é demais

Quero ver, de novo, o sol nascer
e contar segredos às ondas do mar
Comigo e contigo, a vida tem outro prazer,
é como uma viagem, em que ansiamos ir e regressar
Entre tantos dias sem te ver
o tempo nunca é demais para te ver e escutar.

Trazes no rosto o imenso céu azul
e carrego o sonho antigo de ficarmos, assim, ao luar
As coisas tristes são para esquecer
Boa viagem, quero-te a regressar.
Entre tantos dias sem te ver
o tempo nunca é demais para te amar.

Sei que vais voltar,
está escrito no brilho do teu olhar
Sei que vais regressar.
E, mesmo longe, nunca esqueço o teu lugar...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Um dia...

Um amigo dissertou sobre o que me incomoda já há algum tempo... "um dia"... "um dia..." e enquanto pensamos n"um dia", não mudamos nada. Nem sei como se pode pensar na mudança porque de antemão nunca saberemos no que ela irá resultar.
E o que nos trava é este medo do desconhecido que, sem dúvida, nos impede de viver ou estar como queremos...


«Gente que aguenta, aguenta, aguenta, à espera que melhore, um dia isto acaba tudo, um dia é que vai ser, um dia é que vamos ser felizes, vocês vão ver.

Gente que aguenta o marido, a mulher, a escola, o patrão, gente que aguenta quem se senta ao lado no autocarro, sem coragem de se levantar e mudar, andamos a aguentar, a aguentar, um dia largamos tudo e vamos correr mundo de cabelos ao vento, sentir a brisa à beira-mar, comer nos cafés de rua, mergulhar em águas quentes, fazer amigos do outro lado, rir, rir, rir, dizer disparates, fazer asneiras, ser criança, um dia fazemos isso, um dia isto acaba tudo, um dia isto melhora, um dia vamos ser felizes, vocês vão ver.

Gente que aguenta, aguenta, aguenta, um dia atrás do outro, fartos deste emprego, do patrão que não olha, não repara, não elogia, dos outros, que são sempre os culpados, os outros, os outros, os outros, culpa daquele e daquela, que vão para a cama com este e aquela, gente que aguenta, que se arrasta onde antes foi feliz, onde chegou porque queria ou por acaso, e foi ficando, ficando, ficando, um dia acorda a arrastar os pés, de um lado para o outro, zombies, cadáveres, de casa para o trabalho, do trabalho para casa, gente a quem apetece chorar, chegar a casa e explodir, a perguntar onde foi que erraram, sem poder voltar atrás, gente a trabalhar numa prisão, das nove às cinco, com vontade de gritar que se fodam vocês, mas não pode, não deve, são as contas para pagar, contas, contas, contas, uma vida inteira a pagar contas, e por isso aguenta, aguenta, gente que diz um dia vou-me embora, um dia sai-me a lotaria, um dia vou ter o meu negócio, nunca mais me dão ordens, um dia isto acaba tudo, um dia isto melhora, um dia vamos ser felizes, vocês vão ver.

Gente que aguenta a relação, aguenta, aguenta, é mais prático, dá trabalho separar, dividir, magoá-la, magoá-lo, gente que muda, que fica diferente, mas que ninguém repara, em revolta com quem não muda, com quem já não vai ao nosso lado, ficou para trás, ficou para a frente, já não damos as mãos, mas a gente aguenta, aguenta, aguenta, um dia isto passa, é uma fase, são assim as relações, é o que nos dizem, gente que tem medo do tempo, da guilhotina da maternidade, de ficarem velhos e velhas e não terem filhos novos, medo de não encontrar mais ninguém, medo terrível da solidão, de não voltar a ser feliz, de enfrentar o incerto de punhos fechados, gente com medo, quanto mais velho mais medo de deitar tudo para trás, medo de dizer acabou, paciência, não tenho ressentimentos, não tenhas tu, sê feliz porque eu também quero ser, medo disto e daquilo, de tudo e de nada, e por isso a gente aguenta, aguenta, aguenta, um dia isto acaba tudo, um dia isto melhora, um dia vamos ser felizes, vocês vão ver.

Gente amordaçada, em revolta com o mundo, revolta surda-muda, cá dentro, em guerra com tudo e todos, em guerra com este e aquele, comigo e contigo, gente que não aguenta a cara ao espelho, a sofrer horrores, impotente, sem forças, conformada, roubada de todos os sonhos loucos, gente que já não grita pela vida, gente carcomida pela angústia, pelo medo, pelo desgosto de já não ser feliz, gente que gosta disto mas queria mais qualquer coisa, que não sabe bem o que é, mas que quer, gente com o sangue coagulado, vermelho escuro e parado, gente frágil, tão frágil, à procura de força, força, força, sabe-se lá onde onde esta gente frágil vai buscar tanta força, gente à procura de quem perceba que andamos a mentir quando respondemos que está tudo bem, gente que se deita todas as noites a pensar que amanhã vamos ser felizes, amanhã, vocês vão ver, vou-me embora, vou acabar, começar, chegar, ficar, decidir, gente que amanhã vai fazer alguma coisa, mas não faz, tapam-lhe a boca, cordas atadas, fica para amanhã, amanhã é que é, gente que aguenta mais um dia, um dia não é nada, aguenta, aguenta, aguenta, um dia isto acaba tudo, um dia isto melhora, um dia vamos ser felizes, vocês vão ver.

Antes a loucura ou a morte rápida a este sofrimento todo.

Mas um dia isto acaba tudo, vocês vão ver. Um dia.»


Fonte: http://acatarcomestimaoinsulto.blogspot.com/

terça-feira, 14 de julho de 2009

A insustentável leveza do ser

A minha devoção por temáticas mais alternativas (e que, por norma, não demonstro em público) fizeram-me recuar no tempo (até Junho de 2007, para ser mais exacto). Ao retirar isto do baú de memórias, recordei a iniciativa inédita do cardeal Renato Martino, nomeado sacerdote em 1957 - e, desde então, com uma carreira em ascenção fugaz: a elaboração de um documento com mais de 30 páginas relativo aos «10 mandamentos do bom condutor».
Não vale a pena ser exaustivo. Basta referir dois: "um bom condutor católico não faz gestos obscenos através do espelho retrovisor; dar tudo por tudo para evitar "instintos primitivos" como "praguejar e blasfemar". Ao cardeal, digo apenas isto: IC19.

Estas são as evidências: o cardeal Renato Martino descobriu que existem meios de locomoção motorizados. São grandes desenvolvimentos. Sobretudo se tivermos em conta que o automóvel só foi inventado há pouco mais de 100 anos... O cardeal Renato Martino é um progressista em toda a sua plenitude. E, por este caminho, faltam apenas uns 60 ou 70 anos para o Vaticano descobrir que a SIDA existe.

Posto isto, e aquando da revelação dos «10 mandamentos do bom condutor», havia uma pergunta que estava na mente de toda a gente: seria possível fazer mandamentos de alto nível, como antigamente? Lembro-me que o mundo parou. Não seria fácil suplantar, por exemplo, o momento em que "Moisés subiu ao Monte Sinai e lavrou duas tábuas de pedra".

E a verdade é que houve todo um sentido metafórico que se perdeu, quando comparamos o folclore actual com a euforia e o deleite de tempos idos. Não há, sequer, um profeta a conduzir o povo escolhido pela IC19 ou a subir a Calçada de Carriche para receber os mandamentos do Ser Supremo em pessoa. É uma ideia que teria o mesmo efeito se, há mais de 2 mil anos, as tribos de Israel aproveitassem os tempos mortos para organizarem um encontro de tunning...

Mas estamos noutra época. É impensável imaginar que, numa 6.ª feira santa, poderia haver alguém a mandar parar o trânsito na Ponte 25 de Abril para deixarem passar os escravos que vinham do Egipto em direcção a Almada.

Digo tudo isto porque tenho a minha fé e sou um crente assumido. Abrir as portas a iluminados como o cardeal Renato Martino é contribuir para a continuação de uma Igreja estigmatizada e parada no tempo. Tal e qual o IC19.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

[corri]


O silêncio nas ruas
faz parte de mim.
Pessoas que passam,
E eu nem as vi.

Olho em redor
se escuto alguém.
Bancos de pedra,
Estátuas também.
Faz-se escuro já cedo.
Atravesso o jardim.
Não tenhas medo,
confia em mim.

Os sinos já dormem
E eu aprendi,
Mais vale tarde do que nunca
Do que sem ti.

Corri para ti.
Não me perdi.
E nunca desisti.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Espanha

Noite de 2.ª feira.
Estádio do Real Madrid ao rubro.
Mais de 80 mil pessoas vibram com a música dos Xutos e Pontapés.
A primeira parte também foi boa.
Com um tal de Cristiano.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A vida por fazer

Se sigo por aí,
e trago atrás de mim
os restos desses sonhos que sonhei.
Se choro o que perdi, o que resta no fim?
Um pouco mais que nada? Nem eu sei...

As luzes sobre o rio mergulham no vazio
em que naufraguei.
Explorei os oceanos do prazer e desenganos
e, entre gregos e troianos,
fui deixando a minha vida por fazer.

As estrelas sobre o cais são feridas e sinais,
são outras tantas vidas que cruzei.
E brilham como eu, na noite que morreu,
nesse fogo que ateei.

Lancei aos quatro ventos
as minhas cinzas e lamentos.
Faço-me a outros mares, outros avatares,
onde o tempo parou.

Se me perguntares
nem eu sei para onde vou.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Como um barco vazio, nas margens do rio

A estupidez reside no facto de saber que podiamos estar bem, quando, na verdade, estamos mal. Há uma força interior que tudo quer mudar, mas que persiste em ser abafada pela dormência dos músculos. E ficamos assim; pouco ou nada hábeis, quedos e mudos. É um silêncio que corrói. Não faz qualquer sentido. É como uma garrafa de vidro que leva uma mensagem da esperança (mas que, no fim de contas, não passa de um papel em branco, cujas letras foram silenciadas pela passagem do tempo). O próprio mar tornou-se cinzento e vazio, cujos sonhos foram destruídos pelas vagas, onde o tudo se transformou em nada.

A estupidez reside no facto de sabermos, no fundo, que tudo isto se deve a uma ninharia qualquer. Deitei a perder os mais sagrados vícios, sem sequer regatear os sacrifícios. Nada sobrou de mim, a não ser a certeza do pouco que já sabes (e que é muito). Mesmo assim, a tua sombra continua a pairar-me nos dias longos e frios. Tão depressa deixarás de ser o sol que ilumina a escuridão da noite.

A estupidez reside no facto de sabermos que a travessia deste deserto inóspito e seco ser demasiado solitária. É uma caminhada rumo a um oásis que existe, mas cuja chegada teimamos em adiar. Seguimos por atalhos que pensamos ser os mais acertados. Falta-nos coragem. Sem ela, não conseguiremos apanhar, a tempo, a garrafa que traz a mensagem de esperança; sem ela, continuaremos a vaguear no mar cinzento e vazio; sem ela, continuaremos escravos da estupidez.

Dangerous

Comprar bilhetes para um dos 50 concertos agendados de Michael Jackson foi como investir em fundos de retorno absoluto do BPP.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Notas soltas

Sou um caso perdido. Dou por mim a ver a SIC Mulher. A olhar de soslaio para o «Programa da Tyra». E reparo que a diferença entre a Tyra Banks e a Oprah Winfrey deve ser de apenas 20 ou 30 kg.

No rescaldo da entrevista de Manuela Ferreira Leite, na SIC/SIC Notícias. Coisas realmente importantes: Ferreira Leite precisa urgentemente de uma destartarização. Notei-lhe indícios de placa bacteriana nos incisivos inferiores. Ou isso ou o serviço digital do meu operador de tv por cabo é demasiado perfeito.

No Brasil, já não é preciso ser detentor de um curso superior para exercer jornalismo. Acredito que, por cá, também já faltou mais para o José Castelo Branco e a Elsa Raposo se tornarem jornalistas.

Não há volta a dar. A criatura que tenho lá em casa (a mais pequena) continua na sua fase rebelde de afirmação. Receio o pior, à medida que o tempo avança. Ao pé daquilo, o diabo consegue ser um santo. Se a petiz fosse o Capuchinho Vermelho, de certeza que já tinha matado o Lobo Mau à pedrada.

domingo, 21 de junho de 2009

David

A maior lição de vida não tem residência fixa e chama-se David. Encontrei-o há dias, quando me fazia acompanhar por T., junto à entrada do metro do Marquês de Pombal. Eu e T. tivémos o instinto de nos sentarmos num poiso de pedra trabalhada, aproveitando o vento brando fresco empurrado pela sombra. David parou. Pediu um cigarro. À primeira vista, nada fazia denunciar que fosse diferente de tantos outros sem abrigo que desfilam pela cidade de Lisboa. «Posso falar com vocês?», perguntou.

David pediu desculpa pela intromissão. Avisou que era inteligente. E, permanecendo sempre imóvel, fez uma incursão pelo seu passado, numa lição de vida que, tão depressa, eu e T. não iremos esquecer. Disse que já teve tudo na vida. Conheceu a luxúria (ouvia sistematicamente a mãe dizer que tinha perdido 7 mil contos no casino...), teve um filho, divorciou-se, fez-se refém da droga («mas não eram desses químicos que queimam a mente. Continuo a ser inteligente...»). Agora, a vida de David cabe nos dois sacos, com pequenas utilidades, que o acompanham para todo o lado.

David não lamenta a sua condição. Em vez disso, assume-se como alguém que deposita toda a sua fé em Deus («é Ele que me guia e que me dá forças. Todos os dias»). David tem o dom da palavra. Usa-a como poucos. E é, de facto, inteligente. Ao olharmos para David, enquanto fala, é fácil imaginá-lo de fato e gravata, bem sucedido, pai da família. Tanto disserta sobre a Europa como cita os nomes dos responsáveis de altos cargos públicos. Num dado momento, David traçou o perfil de José Sócrates. «Ele também é inteligente. Mas perdeu todo o carácter honesto. Sabe mentir. Deixou-se levar pelo desejo do poder. É um político igual a tantos outros», disse. David acredita que seria capaz de escrever um livro melhor do que qualquer obra de Saramago («o nosso Nobel da Literatura não sabe ser humilde. Lembram-se quando chegou ao aeroporto, em Portugal, e maltratou todos os jornalistas? Foi triste», confessou). David chegou a ter dezenas de páginas dactilografadas, que compilavam aquele que poderia muito bem ser o livro da sua vida. Mas rasgou-as («não ia longe... Não conheço ninguém que trabalhe numa editora»).

No final da conversa, pediu desculpa. Reconheceu que falou muito. Fez mesmo questão de nos acompanhar à entrada do Metro, poupando o silêncio e nunca deixando de partilhar a sua sabedoria. Chegou a recordar o tempo que passou no Curry Cabral, nas consultas de Psiquiatria com o António Lobo Antunes («é um tipo extremamente inteligente. Esse sim, pode dizer que é um verdadeiro escritor. Bem melhor do que qualquer um. Melhor, até, do que o Saramago...»). O universo, comparado com a ciência de David, é demasiado redutor e pequeno. David tem uma personalidade desmedida e uma sensibilidade que nos faz cócegas na alma.

Na viagem de regresso, os ensinamentos de David constituiram, para mim e para T., o passaporte para um momento peculiar de reflexão. Não faltaram coincidências: na carruagem do Metro, um passageiro, ao nosso lado, lia o livro «Sinto Muito», de... Nuno Lobo Antunes. E um amigo nosso, no blog pessoal, tinha dedicado o post diário a Sócrates e... à inteligência. Sinais ou pura coincidência? David terá, certamente, algo a dizer sobre isto...

Num livro que ando a ler...

Encontrei-a no meio de outras, dentro de um livro que ando a ler. A acção decorre nas arábias no ano 1072 DC, mais coisa, menos coisa. Achei piada á frase que, se não me falha a sensibilidade, dá mostras de uma considerável carga de emoção e erotismo.


Diz assim:

“Na obscuridade sempre densa, um longo roçagar desordenado de seda, um perfume. Omar retém a respiração, a sua pele está desperta; ele não pode coibir-se de perguntar, com a ingenuidade de um noviço:
- Ainda tens o véu?
- Já não tenho outro véu que não seja a noite."

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Zen em stress

Às vezes, sou dominado por uma ânsia que me afugenta o sossego. É o meu lado mais ansioso a vir ao cimo e que afecta - no bom e no mau sentido - o campo pessoal e profissional. Quanto mais tenho, mais quero. Já tentei, inclusive, acalmar este estado através de intervenção química (com consentimento médico), mas não consegui mais do que um mero efeito placebo. Para destoar ainda mais esta condição peculiar, tenho o dom de me preocupar excessivamente com qualquer coisa.
Julgo que a Psiquiatria lhe chama síndrome compulsiva-obsessiva. No que toca a este aspecto, não tentei qualquer abordagem terapêutica. Até porque sei - tenho a certeza - que será tempo perdido. Os fármacos psicotrópicos não são mais do que um nevoeiro camuflado sob a densa estrada da vida, que nos fazem seguir em linha recta. Uma espécie de piloto automático que, quase sempre, não nos permite reduzir a velocidade nas curvas. São o caminho para o despiste.

Por vezes, imagino-me no Tibete, ao lado dos discípulos do Dalai Lama, a tentar fazer com que a ansiedade regrida. Mas a lucidez arranca-me do sonho. E dou por mim num stress louco, a chatear os monges, à procura de um acesso à internet em banda larga. Ou a perguntar-lhes quando é que almoçamos - e se não é possível substituir o pão e a água por um bitoque com um ovo a cavalo. «Estamos fodidos», pensam os monges.

Tenho um feitio da pior espécie. Bipolar. Tanto consigo ser parvo num dado momento como, logo a seguir, já estou a destilar parvoíce a dobrar. Não há nada a fazer. Para mim, o céu é o limite (da estupidez). Tenho de começar a tomar os medicamentos.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A vida como ela é

Duas senhoras idosas esfolam um coelho.
Perante o olhar assombrado da miúda de 2 anos, diz a senhora de mais idade:
- Ele só vai tomar banho. É por isso que lhe estamos a tirar a roupa...

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Os mistérios da mente

Quanto mais conheço as mulheres, menos sei sobre elas. Tenho pena de não lhes conseguir ler a mente. Daria um certo jeito, diga-se em abono da verdade. Porque, num instante, tudo muda. Não quero com isto dizer que os homens são melhores - não é isso que, por agora, está em causa. A questão é que não as entendo mesmo (e garanto que o problema não é apenas meu).

Dou por mal investido o esforço persistente de as compreender. Não com vista à obtenção de qualquer recompensa (longe disso), mas apenas com a finalidade de saber, afinal, o que querem da vida. Ou, por outras palavras, aquilo que querem da vida, sabendo elas o que nós, homens, queremos da nossa vida. Não é uma visão egoísta - nem tão pouco uma postura dominante (em que tudo o que elas fazem tem de estar de acordo com aquilo que nós, homens, pretendemos ou fazemos). Não é disso que se trata. Essa não é, pelo menos, a minha perspectiva.

No fundo, resume-se a isto: elas complicam o que para nós, homens, é simples. Põem-nos uma folha de papel, em branco, à frente e logo traçamos todos os rabiscos possíveis com uma única finalidade: satisfazê-las com a maior das sensibilidades (que nós, homens, também as temos). Elas não se fazem rogadas. Pegam no bloco inteiro. E todas as folhas são insuficientes para apontaram defeitos, problemas, objecções de consciência...

Não me estou a queixar. Estou apenas a fazer uma constatação peculiar do fascinante mundo de certas mulheres. Daquelas que nos fazem gastar folhas em branco como se não houvesse amanhã. E daquelas que são, por sinal, as de quem gostamos mais.

domingo, 31 de maio de 2009

Um olhar (II)

Fiquei a pensar na questão da calculadora e "do fazer contas à vida". Acho que já há muito tempo que me deixei de "fazer contas à vida" e tudo se resume aos segundos que se ocupa nesses cálculos... enquanto se faz contas à vida, deixa-se de viver. É um tempo parado porque só após os resultados dessas contas se sabe que direcção adoptar, n'est ce pas?
Não gosto de pensar na vida, não gosto de fazer contas, prefiro viver... os resultados nem sempre são positivos e podem levar-me à "bancarrota". Há que viver com as minhas escolhas irracionais e depois acarcar com as consequências: este é o meu pacto. Se é fácil? Não, não é.
É estar em queda livre, ver o chão a aproximar-se e saber-se que dali só se sai de rastos. O desafio, às vezes, é o tempo que demora essa queda livre, ou seja, se o encontro com o chão é mais rápido do que se pensa ou ainda está longe e vou apenas gozando a sensação de ficar sem ar...

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Protesto aos infortúnios

Designo por infortúnios todos aqueles episódios da vida, nos quais nos parece que o tempo ou o Universo não jogam a nosso favor, apesar de os peões envolvidos na jogada partilharem de forma vincada o mesmo interesse, ou será dizer, o mesmo objectivo final.
Ou seja, os peões mantêm com afinco e grande vontade o desejo pela vitória da batalha, mas os infortúnios atrasam a concretização deste objectivo.
Humpf!
Como diz um amigo meu: «Não há condições!».
E declaro o meu protesto!

segunda-feira, 18 de maio de 2009

O cherne, o pargo e o inexpressivo poder de compra…




Pouco passava das 6 da tarde, o dia de sábado decorria normalmente apressado e eu, apático e de abdómen posicionado paredes meias com a banca do peixe, expectante, senha «para amanhar» azul bebé na esquerda, cesto Pingo Doce na direita, aguardo vez. Assim estávamos vários, ora senha «para amanhar», ora senha «só pesar». Presenciávamos a lenta azáfama da raparigas oriundas dos PALOP que, mesmo a propósito, faziam contrastar a sua pele escura com o uniforme branco da secção da peixaria. Veio-me á memória o negativo fotográfico. Se daquelas criaturas se fizessem positivos em papel, a imagem resultante seriam duas mulheres brancas com fardas pretas, com o logótipo em magenta, ao peito.
O pargo mulato está em promoção, mas só esta semana! Pensei com os meus botões: - Compro um grandito, chego a casa dou-lhe umas naifadas, divido-o em cinco partes e faço uma refeição para todos, por baixo preço. Aquele maior não deve passar dos 10 euros e fica a festa feita! Nisto oiço: - Uma posta de cherne por favor! Era um dos fregueses. Tinha senha cor-de-rosa classificada como «só pesar» e estava á espera há pouco mais de 2 minutos. Os da senha azul esperam mais tempo.
Não foi a rapidez com que foi atendido que me fez exasperar. Também não foi o facto da posta de cherne não chegar, nem por sombras, para uma refeição lá ´pra casa. Acho que foi a expressão descontraída de quem costuma comprar, amiúde, postas de cherne por 27,89 Euros cada, que me tirou do sério. Aquele senhor, inadvertidamente claro, fez-me sentir pobre e desabençoado por Deus. Eu, não só teria de comprar duas postas e meia daquele peixe que, neste caso corresponde a cerca de 69,725 euros de investimento - lamento crianças, não me é possível - como, pior, tive que esperar cerca de 7 minutos ao abrigo da senha «para amanhar» azul deslavado, por um peixito de cor negra mal amanhado, por uma negra. Não é racismo, é pobreza! E pobreza, não é não ter poder de compra. É não ter opção!
Por fim e para que fique bem claro: - Não guardo ressentimentos de qualquer género quer para com as senhoras de tez escura, quer para com o cherne que, apesar de retalhado em mil postas de 27,89 euros cada, também tem sentimentos!
.