terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os fios da tomada

Ensinaste-me tanta coisa e continuas a ensinar. Ainda agora que chegou a minha vez de cuidar de ti, tu ensinas-me, quando sou eu que devo ensinar-te aquilo que aprendi contigo e que agora te vais esquecendo.
É verdade que já não te ouço há algum tempo. E sei também que nem sempre me vês, quando por rebeldia me desvio dos teus horizontes cada vez mais enfraquecidos.
Mas também é verdade que me ensinaste recentemente algo demasiado valioso e capaz de sossegar a minha alma revoltada, como me sossegavas quando passeava a casa ou tentava abrir a porta para sair por causa dos meus ataques de sonambulismo.
Contigo descobri que, em cada abraço ou toque nosso, todos, mas todos, os poros da minha pele e da tua respiram palavras, olhares, sentimentos. São tantas e tantas as vezes que consigo mesmo ouvir-te e lamento que eu ainda não seja capaz de comunicar dessa forma, para que tu me consigas ouvir.
Do que me dizes, quero que saibas que eu sei que me amas. Sei que estás triste, zangado, que te sentes inútil mesmo, por estares doente porque sentes que já não és capaz de me ajudar nos mais pequenos pormenores.
Mas quero também que saibas que eu estou bem ensinada para esses pequenos pormenores da vida, capaz de os enfrentar sem qualquer ajuda, porque tu assim me preparaste. Fui capaz de mudar a tomada do hall porque desde miúda te vi a ligar os fios e isso significa que sou capaz de mudar muita coisa, com as ligações correctas, para que não fique no escuro. Confia em mim...

4 comentários:

Anónimo disse...

fiquei sem palavras, mas deliciada ao ler te... quanto amor nesta escrita.

José Madureira disse...

Um dia tive a necessidade de escrever algo assim. Dobrei o papel em 4 e guardei-o. A minha necessidade foi quase totalmente satisfeita e o papel, quase totalmente esquecido, foi guardado naquele local secretíssimo onde só eu o poderia, um dia, encontrar. Por mero acaso encontrei-o muito tempo depois. Estava assinado e datado e, ao lê-lo, fiquei em sobressalto. Ocorreu-me que se não o entregasse rapidamente a mensagem podia não chegar ao destinatário. Ainda dobrado em 4 o papel passou a acompanhar-me diáriamente, na carteira, na esperança de ter oportunidade de o entregar.

...

Estive todo o dia com ele. Quando o levei de regresso a casa, no minuto que antecede o momento em que fecha a porta do carro e vira costas, não dando hipótese a que lhe entregasse o papel, enchi-me de coragem, tentei disfarçar os olhos rasos de água, estendi-lhe o papel já meio amarelado, fechei a porta do carro e, se nada dizer, arranquei, fugindo.

Dias depois o meu pai abraçou-me e, tal como eu fiz, nada disse.
Ficámos esclarecidos.

Agora para ti: Se ele não lê este blog, copía o teu lindíssimo post para um papel, dobra-o e entrega-o.
Não esperes 10 anos.

Makira disse...

Madu ele já não consegue ler. e também não precisa de me ouvir. precisa de sentir os poros da minha pele e é suficiente entre nós porque já é muito, tanto que mais não podia pedir.

Anónimo disse...

É um(a) Aprendizagem.
"O essencial é invisível para os olhos" Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho