quarta-feira, 30 de março de 2011

No reino da 'alucinolândia'

Não contesto o direito dos trabalhadores à indignação - até mesmo dos funcionários de empresas públicas. Só por aqui dá para ver que sou um tipo sensível e tolerante (capaz, até, de defender os interesses - ou uma pequena parte deles - dos trabalhadores das companhias dotadas de capitais públicos). Mas há limites. Sobretudo quando a criatividade estagna. A paralisação da CP e do Metro, em concreto, são formas de luta do século passado (e que apenas prejudicam os passageiros - a razão de ser dos transportes colectivos). É a velha mentalidade: «vamos lá foder o dia ao utente, para ver se o povo fica aborrecido e os miseráveis dos governantes arrepiam caminho». Há meses consecutivos que os sindicatos ligados à CP e ao Metro convocam greves atrás de greves. São muitos dias a foderem a vidinha a quem paga o seu título de transporte na totalidade.
Estas birras mesquinhas reflectem todo o egoísmo individual da mentalidade de uma certa esquerda (haverá mais do que uma?). Torna-se assustador quando esta gente se reúne em manada, agindo de forma colectiva. Pensam que são espertos, mas só 'avacalham' (ainda mais) o sistema - ao ponto de, por exemplo, elegerem políticos como Sócrates, em troca de promessas da manutenção dos direitos adquiridos. Pior: adoram repetir o erro.

Estas 'toupeiras andantes' não percebem (ou fingem não perceber) que trabalham em empresas públicas falidas, cujo prejuízo adensa-se a cada dia que passa. Reclamam regalias de luxo, auferem salários fora do comum e laboram menos horas semanais do que os restantes trabalhadores portugueses. Não sabem o que é trabalhar numa empresa privada, sem direito à contestação e sujeitando-se ao pão que o diabo amassou. As paralisações sucessivas só abonam a favor das privatizações. Uma ideia, aliás, que vai tomando forma (já deu para perceber que, com Passos Coelho e o FMI a comandarem os destinos deste país, a privatização de empresas como a CP e o Metro são um belo rebuçado). Os abutres também se abatem. E alguns deles até ajudam a cavar a sua própria sepultura.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Lembras-te da Rosinha? Pois bem: podia ser (muito) pior

1989. Anunciava-se uma autêntica revolução na aldeia, com a actuação de Jorge Rocha & as Lipstick. Nunca ninguém tinha ouvido falar no rapaz e nas tipas que o acompanhavam, mas os cartazes - distribuídos massivamente pelos locais públicos (centro de saúde incluído) - faziam antever uma noite de Verão escaldante.
Corria o boato de que, a meio da actuação, as acompanhantes de Jorge Rocha iriam despir-se integralmente. Na noite do espectáculo, novos e velhos apinharam-se no recinto, mesmo antes do sol se pôr, para assegurarem o melhor lugar (de pé). Recordo-me particularmente de um velhote, dado como desaparecido há dois anos - e que, misteriosamente, reapareceu. Precisamente naquela noite.
Não é fácil responder à questão «Quem é Jorge Rocha?». É uma explicação complexa, que requer alguma reflexão. Ainda assim, cá vai: Jorge Rocha começou a ganhar a vida como bailarino. Cresceu, meteu na cabeça que queria ser cantor - e, vai daí, gravou umas músicas maradas, com a voz completamente desafinada (e com um modo peculiar de articular as palavras - um misto entre a dislexia e o sotaque transmontano). As acompanhantes não sabiam cantar. Mas, naquela altura, o playback fazia escola.
Elas só tinham de mostrar as nádegas, eriçar as mamas e abanar o corpinho. Não importava se faziam de conta que estavam (ou não) a cantar; a região bucal era, em todo o conjunto anatómico, a menos observada pela assistência. Ao longo dos anos, foram várias as formações das Lipstick: Candy, Dora, Diesel, Eliane... Até nisto o grupo era original, ao conseguir integrar gajas com nomes de electrodoméstico e combustível.

Volvidos mais de 20 anos, onde pára Jorge Rocha? Hoje, o tipo chama-se Jorge Martinez, abandonou as Lipstick (embora se faça acompanhar, em palco, por duas quarentonas de cabelo oxigenado) e diz que é o Prince português. Apesar da dupla personalidade, há coisas no Jorge Martinez que ficaram do Jorge Rocha: as músicas maradas, a voz desafinada e histérica, a forma estranha de pronunciar as palavras. Todavia, Jorge Martinez é um verdadeiro 'performer' e o único artista português que, ainda hoje, faz videoclips ao estilo do século passado. Atentemos, pois, ao espectáculo que é este vídeo referente ao 'single' mais recente do artista.

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O Ferrari sempre a rasgar e a atirar gravilha pelo ar; o pormenor de 'Martinez' na chapa de matrícula (eu pagava para ver este gajo a ser catado pela Brigada de Trânsito); a brilhante componente estética, onde sobressaem os elementos terra e fogo; a gaja metida na banheira, com o leite (?) a escorrer-lhe pelo peito... Tony Carreira? Deixemo-nos de merdas. O mundo pertence a Jorge Martinez. Nem que sejam precisos mais 20 anos para este gajo dar nas vistas - mas há-de conseguir. Também ajuda se as pessoas estiverem dispostas a tapar os ouvidos e a fingirem que ouvem (e gostam) daquela voz. Descoordenada. E esganiçada.
Vale a pena ir ao encontro deste universo paralelo. Aqui.

Rezemos

A minha religião chama-se Acatar e Zhu Di é o meu deus. Comecei por frequentar timidamente este digníssimo templo virtual e, hoje, não passo um único dia sem o visitar. É a prova, de resto, de que ninguém deve ser julgado pela aparência (Zhu Di tem, de facto, um aspecto físico duvidoso e, quanto balança o corpo, nota-se que há ali qualquer coisa a roçar a paneleirice). Mas avante. O que importa é toda a sapiência e o bom gosto (como demonstra este post) que prolifera em Zhu Di. Alimenta-nos a alma com imensos posts, a um ritmo inimaginável e frenético. Num só dia, o homem é capaz de abordar assuntos tão díspares como Sócrates, Benfica e Carnaval. A panóplia de imagens, acompanhadas pelos takes da AFP, também nos faz delirar. Eu sei que, ao ler estas linhas, Zhu Di irá pensar: «foda-se, mas que caralho, lá está este paneleiro de merda a foder-me a cabeça, ó caralho» (sim, Zhu Di tem um vocabulário extensamente rico e é muito franco no que diz). Todavia, é de bom tom o 'Espiríto do Asfalto' (ou, no original, 'Street Spirit') reconhecer e distinguir os melhores criativos do universo da blogosfera. Naturalmente, poderia acrescentar muito mais sobre Zhu Di. O seu passado, por exemplo, reflecte o carácter solidário que sempre vincou a sua personalidade. Basta lembrar que, durante anos a fio, Zhu Di voluntariou-se a servir copos no 'Finalmente', sem pedir nada em troca (desde que houvesse clientela para apreciar, claro). Porque, em boa verdade, Zhu Di não deixa passar nada ao lado. Nem mesmo um bom homem de collants ou ganga justa.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Ficção e realidade: o mundo segundo a Pfizer

«O Amor é o Melhor Remédio» («Love and Other Drugs», no título original) estreou nos EUA em finais de 2010 e, há pouco mais de um mês, chegou a Portugal. Está enquadrado na paupérrima categoria de comédia romântica, com indicação para M/12 (o que é minimamente estranho, dadas as cenas de sexo em abundância - o que leva a questionar a competência desta gente). Mas há uma pergunta intrigante: como é que um filme destes, inequivocamente dirigido às massas (e para consumo imediato, sem nos obrigar a pensar em demasia), passa despercebido na Europa? Comecemos por desvendar a sinopse oficial da obra...

"Maggie é um fascinante espírito livre que não permite que nada a prenda, nem mesmo um fascinante desafio pessoal. Mas conhece a sua cara-metade em Jamie Randall, cujo charme é quase infalível tanto com as senhoras como com as vendas de produtos farmacêuticos. A evolução da relação entre Maggie e Jamie apanha-os de surpresa, ao darem conta de estarem sob a influência da derradeira droga: o amor..."

À primeiro vista, «O Amor é o Melhor Remédio» não passa de uma «comédia romântica» igual a tantas outras, recheada de clichés, com diálogos previsíveis e cenas lamechas. O filme perfeito, portanto, para uma tarde chuvosa, no aconchego dos cobertores, em que apenas pretendemos aliviar a cabeça de toda a merda que nos percorre o cérebro.
Todavia, esta é uma obra que nos faz pensar - sobretudo aos que se querem dar um pouco a esse trabalho. Porque envolve uma empresa farmacêutica real (Pfizer) e uma personagem (Jamie Randal) que, neste universo ficcional, vende produtos igualmente reais (começa no Zoloft e acaba no Viagra). Jamie, o delegado de informação médica, chega mesmo ao ponto de convencer os médicos a não prescreverem Prozac (de uma empresa concorrente).
Os mais incautos perguntarão: e quanto pagou a Pfizer para aparecer no filme? A questão, no entanto, deve ser invertida: quanto recebeu a Pfizer para se sujeitar a isto? Os esquemas de vendas que apenas visam o lucro (driblando as recomendações da FDA), o treino «agressivo» dos delegados de informação médica, a forma pouco ortodoxa como se dá cabo de um fármaco da concorrência, a promiscuidade entre empresas farmacêuticas e médicos, o «outro lado» dos congressos científicos (há mesmo um especialista que chega a injectar-se com testosterona, para aguentar a «vida social» de um Congresso anual, em Chicago)... Há diálogos verdadeiramente assustadores. É assumido que este filme foi feito a partir da autobiografia de Jamie Reidy, autor de «Hard Seel: The Evolution of a Viagra Salesman» - e que, antes de sair de cena da indústria farmacêutica, desempenhou funções na Pfizer e na Lilly. A legitimidade de nos sujeitarem a tamanho descaramento é, no entanto, questionável. Porque - e mesmo que a Pfizer não seja tudo aquilo que realmente se vê no filme -, a verdade é que eu, enquanto consumidor, coloco (ainda mais) dúvidas sobre o funcionamente (pouco digno) deste mercado peculiar. Nem sempre a ficção é tão ficcionada quanto se possa pensar; por vezes, ela consegue ser perigosamente real.

terça-feira, 8 de março de 2011

Passaram mais de 7 anos...

...e ainda ninguém cá de casa tem médico de família. Se ninguém respeita o direito do acesso à saúde (consagrado na Constituição), é quase certo que, por estes dias (e como forma de indignação), receberei a equipa dos Censos 2011 de «braços abertos»...