Há momentos em que, tão só e simplesmente, me apetecia ser apagado. Porque, apesar da minha obstinação em forma de casmurrice, sinto que merecia um mundo melhor. Não que não faça por isso - por pouco que seja - todos os dias, mas antes porque o mundo é, de facto, cruel. Não deve ser por acaso, aliás, que anunciamos a nossa chegada com lágrimas, ladeadas por gritos abafados de mágoa que nos despejam a alma e esvaziam os pulmões. Suponho que, nos primeiros instantes após o nascimento, a epiderme sente logo o toque agreste do mundo; uma espécie de brisa que resvala a pele, bem em jeito de aviso, de que a vida não será fácil.
Viver é (ou deveria ser) a coisa mais rara do mundo. No entanto, a maioria de nós limita-se a existir (por todas as mais variadas e complexas razões, o que nem sempre deve ser censurável). Sinto que sou um louco porque vivo num mundo que não merece a minha lucidez. O mundo parece-se, cada vez mais, com um palco onde muitos aparentam viver no limiar da felicidade. Pomos um ar sereno, envergamos o nosso melhor fato do optimismo e acreditamos que amanhã é que vai ser. Entretanto, fechamos os olhos ao passado e mordemos os lábios, na vã esperança de que o dia de hoje não seja mais do que isto: normal.
Tenho pensado no meu mundo - no que tenho e no que poderia ter. Não sei, sinceramente, em qual destes dois reside (ou residiria) a minha maior felicidade. Provavelmente - e porque há sonhos que nos perseguem - seria muito mais feliz no mundo que poderia ter. Não que aquele que hoje tenho seja sinónimo de eterna tristeza; bem longe disso, aliás (ou, pelo menos, bem menos longe do que já fora em tempos mais longínquos). Mas porque sei que, no mundo que eu poderia ter, há todo um conjunto de (im)possibilidades que me dariam ainda mais coragem para correr com ânimo renovado, na ânsia de alcançar sonhos, vontades e desejos.
Ninguém tem a obrigação de entender ou de aceitar o meu mundo; apenas que o compreendam, nada mais. Porque ele pode parecer complexo, mas é simples. Vivo muito em função do aqui e agora. Respeito o que sinto e admiro, sem jamais querer impôr quaisquer concessões (ou ferir susceptibilidades). É por isso que, por vezes, nas mais diversas circunstâncias da vida, tenho a leve sensação de que sou aquela folha que caiu do cimo da árvore, tendo sido capaz de desarrumar todo um universo inteiro. Pressinto que posso estar sem quererem propriamente que eu lá esteja (apesar da minha vontade de me ficar). É uma generalização, de resto, que se aplica a todos os campos da vida.
O meu avô dizia-me, com o ar mais sábio e meigo deste mundo, que há três coisas na vida que nunca voltam atrás: uma flecha lançada; uma palavra pronunciada; e uma oportunidade desperdiçada. Sobre as palavras pronunciadas: posso até nem concordar com tudo o que algumas pessoas dizem. No entanto, sou capaz de defender até à morte o direito que elas têm de o dizerem. Este é o caminho da verdadeira amizade (providenciada por quem nos rodeia e por quem gostamos), que nos leva a saber tirar proveito das oportunidades, sem nunca deixar que as flechas não acertem no alvo.
Intriga-me saber o que pode haver muito para além da própria vida. Nada do que somos deverá ser por mero acaso; nada do que nos acontece (ou não acontece) terá de ser apenas ocasional; há um sofrimento (que, sem dúvida, não é distribuído de forma igual por todos) que terá de ser compensado de alguma maneira. A haver justiça divina, seria razoável que ela fosse posta em prática ainda aquando da nossa passagem pela Terra.
Talvez assim fossemos a tempo de evitar desperdiçar oportunidades; talvez tivessemos mais coragem em transformarmos o mundo que «poderíamos ter» no que «temos»; talvez a nossa loucura fosse suficientemente contagiante para fazer com que o mundo não fosse demasiado normal e enfadado, cheio de regras e assombrado por falsos atilados que nos lembram, a todos os instantes, que há sempre uma norma qualquer para nos fazer calar o bater compassado do coração.
Sem comentários:
Enviar um comentário