quarta-feira, 9 de março de 2011

Ficção e realidade: o mundo segundo a Pfizer

«O Amor é o Melhor Remédio» («Love and Other Drugs», no título original) estreou nos EUA em finais de 2010 e, há pouco mais de um mês, chegou a Portugal. Está enquadrado na paupérrima categoria de comédia romântica, com indicação para M/12 (o que é minimamente estranho, dadas as cenas de sexo em abundância - o que leva a questionar a competência desta gente). Mas há uma pergunta intrigante: como é que um filme destes, inequivocamente dirigido às massas (e para consumo imediato, sem nos obrigar a pensar em demasia), passa despercebido na Europa? Comecemos por desvendar a sinopse oficial da obra...

"Maggie é um fascinante espírito livre que não permite que nada a prenda, nem mesmo um fascinante desafio pessoal. Mas conhece a sua cara-metade em Jamie Randall, cujo charme é quase infalível tanto com as senhoras como com as vendas de produtos farmacêuticos. A evolução da relação entre Maggie e Jamie apanha-os de surpresa, ao darem conta de estarem sob a influência da derradeira droga: o amor..."

À primeiro vista, «O Amor é o Melhor Remédio» não passa de uma «comédia romântica» igual a tantas outras, recheada de clichés, com diálogos previsíveis e cenas lamechas. O filme perfeito, portanto, para uma tarde chuvosa, no aconchego dos cobertores, em que apenas pretendemos aliviar a cabeça de toda a merda que nos percorre o cérebro.
Todavia, esta é uma obra que nos faz pensar - sobretudo aos que se querem dar um pouco a esse trabalho. Porque envolve uma empresa farmacêutica real (Pfizer) e uma personagem (Jamie Randal) que, neste universo ficcional, vende produtos igualmente reais (começa no Zoloft e acaba no Viagra). Jamie, o delegado de informação médica, chega mesmo ao ponto de convencer os médicos a não prescreverem Prozac (de uma empresa concorrente).
Os mais incautos perguntarão: e quanto pagou a Pfizer para aparecer no filme? A questão, no entanto, deve ser invertida: quanto recebeu a Pfizer para se sujeitar a isto? Os esquemas de vendas que apenas visam o lucro (driblando as recomendações da FDA), o treino «agressivo» dos delegados de informação médica, a forma pouco ortodoxa como se dá cabo de um fármaco da concorrência, a promiscuidade entre empresas farmacêuticas e médicos, o «outro lado» dos congressos científicos (há mesmo um especialista que chega a injectar-se com testosterona, para aguentar a «vida social» de um Congresso anual, em Chicago)... Há diálogos verdadeiramente assustadores. É assumido que este filme foi feito a partir da autobiografia de Jamie Reidy, autor de «Hard Seel: The Evolution of a Viagra Salesman» - e que, antes de sair de cena da indústria farmacêutica, desempenhou funções na Pfizer e na Lilly. A legitimidade de nos sujeitarem a tamanho descaramento é, no entanto, questionável. Porque - e mesmo que a Pfizer não seja tudo aquilo que realmente se vê no filme -, a verdade é que eu, enquanto consumidor, coloco (ainda mais) dúvidas sobre o funcionamente (pouco digno) deste mercado peculiar. Nem sempre a ficção é tão ficcionada quanto se possa pensar; por vezes, ela consegue ser perigosamente real.

3 comentários:

pixie disse...

Já viste o fiel jardineiro? Também é perigosamente real, aliás, como se veio a confirmar nas notícias de que a Pfizer testava fármacos não aprovados em crianças nigerianas. Espero que se afundem.

Makira disse...

Ando a falar há muito tempo neste filme e ainda não o vi. Honestamente, e pelas observações que fazes, nada me admira e até acredito que de ficção pode ter pouco, muito pouco. No entanto, a minha opinião, tal como as tuas observações neste post pertencem a uma minoria - a uma minoria um bocadinho de nada mais despertos na área... para a maioria, será sempre ficção e é um filme que passa ao lado.
Afinal, uma personagem está doente, segundo sei, e o que interessa é o amor ficcionado - uma comédia, portanto!

Unknown disse...

woow
amei! :D