sexta-feira, 26 de junho de 2009

Como um barco vazio, nas margens do rio

A estupidez reside no facto de saber que podiamos estar bem, quando, na verdade, estamos mal. Há uma força interior que tudo quer mudar, mas que persiste em ser abafada pela dormência dos músculos. E ficamos assim; pouco ou nada hábeis, quedos e mudos. É um silêncio que corrói. Não faz qualquer sentido. É como uma garrafa de vidro que leva uma mensagem da esperança (mas que, no fim de contas, não passa de um papel em branco, cujas letras foram silenciadas pela passagem do tempo). O próprio mar tornou-se cinzento e vazio, cujos sonhos foram destruídos pelas vagas, onde o tudo se transformou em nada.

A estupidez reside no facto de sabermos, no fundo, que tudo isto se deve a uma ninharia qualquer. Deitei a perder os mais sagrados vícios, sem sequer regatear os sacrifícios. Nada sobrou de mim, a não ser a certeza do pouco que já sabes (e que é muito). Mesmo assim, a tua sombra continua a pairar-me nos dias longos e frios. Tão depressa deixarás de ser o sol que ilumina a escuridão da noite.

A estupidez reside no facto de sabermos que a travessia deste deserto inóspito e seco ser demasiado solitária. É uma caminhada rumo a um oásis que existe, mas cuja chegada teimamos em adiar. Seguimos por atalhos que pensamos ser os mais acertados. Falta-nos coragem. Sem ela, não conseguiremos apanhar, a tempo, a garrafa que traz a mensagem de esperança; sem ela, continuaremos a vaguear no mar cinzento e vazio; sem ela, continuaremos escravos da estupidez.

Dangerous

Comprar bilhetes para um dos 50 concertos agendados de Michael Jackson foi como investir em fundos de retorno absoluto do BPP.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Notas soltas

Sou um caso perdido. Dou por mim a ver a SIC Mulher. A olhar de soslaio para o «Programa da Tyra». E reparo que a diferença entre a Tyra Banks e a Oprah Winfrey deve ser de apenas 20 ou 30 kg.

No rescaldo da entrevista de Manuela Ferreira Leite, na SIC/SIC Notícias. Coisas realmente importantes: Ferreira Leite precisa urgentemente de uma destartarização. Notei-lhe indícios de placa bacteriana nos incisivos inferiores. Ou isso ou o serviço digital do meu operador de tv por cabo é demasiado perfeito.

No Brasil, já não é preciso ser detentor de um curso superior para exercer jornalismo. Acredito que, por cá, também já faltou mais para o José Castelo Branco e a Elsa Raposo se tornarem jornalistas.

Não há volta a dar. A criatura que tenho lá em casa (a mais pequena) continua na sua fase rebelde de afirmação. Receio o pior, à medida que o tempo avança. Ao pé daquilo, o diabo consegue ser um santo. Se a petiz fosse o Capuchinho Vermelho, de certeza que já tinha matado o Lobo Mau à pedrada.

domingo, 21 de junho de 2009

David

A maior lição de vida não tem residência fixa e chama-se David. Encontrei-o há dias, quando me fazia acompanhar por T., junto à entrada do metro do Marquês de Pombal. Eu e T. tivémos o instinto de nos sentarmos num poiso de pedra trabalhada, aproveitando o vento brando fresco empurrado pela sombra. David parou. Pediu um cigarro. À primeira vista, nada fazia denunciar que fosse diferente de tantos outros sem abrigo que desfilam pela cidade de Lisboa. «Posso falar com vocês?», perguntou.

David pediu desculpa pela intromissão. Avisou que era inteligente. E, permanecendo sempre imóvel, fez uma incursão pelo seu passado, numa lição de vida que, tão depressa, eu e T. não iremos esquecer. Disse que já teve tudo na vida. Conheceu a luxúria (ouvia sistematicamente a mãe dizer que tinha perdido 7 mil contos no casino...), teve um filho, divorciou-se, fez-se refém da droga («mas não eram desses químicos que queimam a mente. Continuo a ser inteligente...»). Agora, a vida de David cabe nos dois sacos, com pequenas utilidades, que o acompanham para todo o lado.

David não lamenta a sua condição. Em vez disso, assume-se como alguém que deposita toda a sua fé em Deus («é Ele que me guia e que me dá forças. Todos os dias»). David tem o dom da palavra. Usa-a como poucos. E é, de facto, inteligente. Ao olharmos para David, enquanto fala, é fácil imaginá-lo de fato e gravata, bem sucedido, pai da família. Tanto disserta sobre a Europa como cita os nomes dos responsáveis de altos cargos públicos. Num dado momento, David traçou o perfil de José Sócrates. «Ele também é inteligente. Mas perdeu todo o carácter honesto. Sabe mentir. Deixou-se levar pelo desejo do poder. É um político igual a tantos outros», disse. David acredita que seria capaz de escrever um livro melhor do que qualquer obra de Saramago («o nosso Nobel da Literatura não sabe ser humilde. Lembram-se quando chegou ao aeroporto, em Portugal, e maltratou todos os jornalistas? Foi triste», confessou). David chegou a ter dezenas de páginas dactilografadas, que compilavam aquele que poderia muito bem ser o livro da sua vida. Mas rasgou-as («não ia longe... Não conheço ninguém que trabalhe numa editora»).

No final da conversa, pediu desculpa. Reconheceu que falou muito. Fez mesmo questão de nos acompanhar à entrada do Metro, poupando o silêncio e nunca deixando de partilhar a sua sabedoria. Chegou a recordar o tempo que passou no Curry Cabral, nas consultas de Psiquiatria com o António Lobo Antunes («é um tipo extremamente inteligente. Esse sim, pode dizer que é um verdadeiro escritor. Bem melhor do que qualquer um. Melhor, até, do que o Saramago...»). O universo, comparado com a ciência de David, é demasiado redutor e pequeno. David tem uma personalidade desmedida e uma sensibilidade que nos faz cócegas na alma.

Na viagem de regresso, os ensinamentos de David constituiram, para mim e para T., o passaporte para um momento peculiar de reflexão. Não faltaram coincidências: na carruagem do Metro, um passageiro, ao nosso lado, lia o livro «Sinto Muito», de... Nuno Lobo Antunes. E um amigo nosso, no blog pessoal, tinha dedicado o post diário a Sócrates e... à inteligência. Sinais ou pura coincidência? David terá, certamente, algo a dizer sobre isto...

Num livro que ando a ler...

Encontrei-a no meio de outras, dentro de um livro que ando a ler. A acção decorre nas arábias no ano 1072 DC, mais coisa, menos coisa. Achei piada á frase que, se não me falha a sensibilidade, dá mostras de uma considerável carga de emoção e erotismo.


Diz assim:

“Na obscuridade sempre densa, um longo roçagar desordenado de seda, um perfume. Omar retém a respiração, a sua pele está desperta; ele não pode coibir-se de perguntar, com a ingenuidade de um noviço:
- Ainda tens o véu?
- Já não tenho outro véu que não seja a noite."

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Zen em stress

Às vezes, sou dominado por uma ânsia que me afugenta o sossego. É o meu lado mais ansioso a vir ao cimo e que afecta - no bom e no mau sentido - o campo pessoal e profissional. Quanto mais tenho, mais quero. Já tentei, inclusive, acalmar este estado através de intervenção química (com consentimento médico), mas não consegui mais do que um mero efeito placebo. Para destoar ainda mais esta condição peculiar, tenho o dom de me preocupar excessivamente com qualquer coisa.
Julgo que a Psiquiatria lhe chama síndrome compulsiva-obsessiva. No que toca a este aspecto, não tentei qualquer abordagem terapêutica. Até porque sei - tenho a certeza - que será tempo perdido. Os fármacos psicotrópicos não são mais do que um nevoeiro camuflado sob a densa estrada da vida, que nos fazem seguir em linha recta. Uma espécie de piloto automático que, quase sempre, não nos permite reduzir a velocidade nas curvas. São o caminho para o despiste.

Por vezes, imagino-me no Tibete, ao lado dos discípulos do Dalai Lama, a tentar fazer com que a ansiedade regrida. Mas a lucidez arranca-me do sonho. E dou por mim num stress louco, a chatear os monges, à procura de um acesso à internet em banda larga. Ou a perguntar-lhes quando é que almoçamos - e se não é possível substituir o pão e a água por um bitoque com um ovo a cavalo. «Estamos fodidos», pensam os monges.

Tenho um feitio da pior espécie. Bipolar. Tanto consigo ser parvo num dado momento como, logo a seguir, já estou a destilar parvoíce a dobrar. Não há nada a fazer. Para mim, o céu é o limite (da estupidez). Tenho de começar a tomar os medicamentos.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A vida como ela é

Duas senhoras idosas esfolam um coelho.
Perante o olhar assombrado da miúda de 2 anos, diz a senhora de mais idade:
- Ele só vai tomar banho. É por isso que lhe estamos a tirar a roupa...

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Os mistérios da mente

Quanto mais conheço as mulheres, menos sei sobre elas. Tenho pena de não lhes conseguir ler a mente. Daria um certo jeito, diga-se em abono da verdade. Porque, num instante, tudo muda. Não quero com isto dizer que os homens são melhores - não é isso que, por agora, está em causa. A questão é que não as entendo mesmo (e garanto que o problema não é apenas meu).

Dou por mal investido o esforço persistente de as compreender. Não com vista à obtenção de qualquer recompensa (longe disso), mas apenas com a finalidade de saber, afinal, o que querem da vida. Ou, por outras palavras, aquilo que querem da vida, sabendo elas o que nós, homens, queremos da nossa vida. Não é uma visão egoísta - nem tão pouco uma postura dominante (em que tudo o que elas fazem tem de estar de acordo com aquilo que nós, homens, pretendemos ou fazemos). Não é disso que se trata. Essa não é, pelo menos, a minha perspectiva.

No fundo, resume-se a isto: elas complicam o que para nós, homens, é simples. Põem-nos uma folha de papel, em branco, à frente e logo traçamos todos os rabiscos possíveis com uma única finalidade: satisfazê-las com a maior das sensibilidades (que nós, homens, também as temos). Elas não se fazem rogadas. Pegam no bloco inteiro. E todas as folhas são insuficientes para apontaram defeitos, problemas, objecções de consciência...

Não me estou a queixar. Estou apenas a fazer uma constatação peculiar do fascinante mundo de certas mulheres. Daquelas que nos fazem gastar folhas em branco como se não houvesse amanhã. E daquelas que são, por sinal, as de quem gostamos mais.