sexta-feira, 29 de abril de 2011

Montes de felicidade

O nível de idiotice é absurdo. Chega a dar vómitos. É ligar o televisor e ver os repórteres portugueses tão ou mais eufóricos do que os próprios noivos. Os enviados especiais (que designação tão pomposa) atropelam-se em palavras - e que, todas juntas, nada dizem. No meio desta verborreia, ouvimos os pivots a descreverem aquilo que vemos, sem acrescentarem nada de novo. E depois as reportagens: «viveram felizes para sempre»; «chapéus há muitos»; «o aguardado beijo real»; «toda a gente irradia felicidade». O João Adelino Faria, então, parece ter ingerido smarties em combinação com LSD. «Mas que momento bonito! Aquilo que o povo tanto esperava!! O beijo de Kate e William vem aí!!! Toda a gente a acenar. Milhares de pessoas... algum nervosismo... E aí está!!! Oh... eu diria que foi um beijo tímido e envergonhado. Claro que o irmão Harry não pára de rir!!!». A expectativa para a noite de núpcias é grande. Certamente que haverá um ou outro enviado especial debaixo da cama. Estamos ansiosos.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Eu estou fodido; tu estás fodido; ele... vai-se safando

É ler este post e, logo a seguir, perguntar: «onde posso comprar uma arma (não das que aleijam, mas das que exterminam mesmo o alvo) para ajudar a dar cabo da pandilha que nos governa (ou dos que já esfregam as mãos de contentamento e se preparam para tal)?». Foda-se. Somos um povo do caralho, sem dúvida. Há pouco mais de 500 anos, estavámos cheios de tesão para descobrir o mundo (iamos ao Cabo da Boa Esperança montados num palito, se fosse preciso). Agora, de tão sonsos, caimos no erro (por duas vezes, note-se - e é bem capaz de vir aí uma terceira vez) de escolher um primeiro-ministro manhoso, vaidoso, mentiroso e com uma carapaça de aço que lhe tem permitido sair ileso a tudo o que é escândalo (Freeport, TVI, Face Oculta, curso na Independente...). Este tipo dança o fandango, toca ferrinhos, bate palmas e ainda canta. Incrível como, até hoje, um partido como o PSD não foi capaz de fazer frente a esta besta, limitando-se a eleger e a reciclar líderes - e nada mais do que isso. O que me fode é ouvir a minha bisavó, prestes a completar 100 anos (e, felizmente, na posse de todas as faculdades), suspirar assim que vê esta cambada e dizer-me: «os teus filhos e os dos outros vão pagar isto bem caro. E vocês, os da juventude, já começaram a pagar adiantado...». Fico fodido não por ser a minha bisavó a afirmar-me uma coisas destas; mas, antes, por saber que ela tem toda a razão.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A herança da Guerra Colonial

110 mil ex-combatentes com traumas psíquicos, mulheres silenciadas pelo sentimento de revolta, filhos vitimados pela negligência e maus tratos, famílias desfeitas por memórias inconfessáveis. A Guerra Colonial não terminou no momento em que se anunciou o cessar-fogo; ela continua a afectar toda uma geração seguinte - que sente que esteve numa batalha que nunca viveu.

domingo, 24 de abril de 2011

Outros rostos da Revolução

Uma imagem vale (muito) mais do que mil palavras. Por vezes, o seu maior valor está naquilo que lá está (mas que permanece invisível aos olhos de quem vê). Chama-se «memória histórica» (algo que já não existe nas redacções deste país).
O 'guitarrista' que aparece destacado nesta foto dá pelo nome de Rui Pato. Integrou o Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) em 2005. Deixou o cargo em finais de 2009. Antes disso, dirigiu o Serviço de Pneumologia. Feitas as contas, Rui Pato esteve no CHC (onde começou como médico interno) durante 37 anos. Em suma: uma vida.

Agora, o 'outro lado': Rui Pato percorreu o país, de concerto em concerto, ao lado de Zeca Afonso. Conheceram-se em Mangualde, quando Zeca ganhava a vida a dar aulas. A aventura da música de intervenção terá começado em meados de 1960, tendo terminado uns 8 anos depois.
Muito depois disso - e pela última vez -, Rui Pato pegou na viola, a pedido do próprio Zeca. Foi num espectáculo no Coliseu, que decorreu meses antes da morte do autor de «Grândola, Vila Morena» (em Fevereiro de 1987).


Eis Zeca Afonso descrito por Rui Pato:


«O Zeca sempre teve fama de maluco. Aconteciam-lhe coisas estranhíssimas e a mais vulgar era andar com uma meia de cada cor. Trazia sempre um saco de remédios. Uns para dormir, outros para acordar. À noite enfiava calmantes e, de dia, estimulantes.»


«Tinha também o hábito da vitamina C. Quando chegava à gravação dizia que não tinha voz e tomava uma injecção de vitamina C para 'aclará-la'.»


«O Zeca punha sempre dificuldades nas gravações. Às vezes, dizia que não fazia a digestão. Um dia, propus-lhe uma refeição leve. Comemos um ovo estrelado.»


[Depoimentos extraídos da obra Livra-te do Medo: estórias e andanças do Zeca Afonso, de José A. Salvador]

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Melodia

Chegado a meio da rua, o velho negro pousou os sacos no cimo do passeio. O dia ia longo. O fato de macaco - impregnado de estilhaços de cimento já secos e sólidos - denunciava a sua ocupação principal. Lançou um suspiro e esticou os dedos. Baixou-se, abriu uma caixa de madeira e tirou o objecto brilhante (que reluzia como ouro). Quem lhe apreciasse os gestos poderia notar que eram devidamente estudados.
Todos pareciam ignorar a sua presença. Até que, de olhos cerrados, ergueu a cabeça em direcção ao céu, dando a sensação que procurava inspiração divina. De repente, todos pararam. Fez-se silêncio. Para ver e ouvir. Um velho negro, um saxofone e um talento do tamanho do mundo. Não há palavras que descrevam a sinfonia melódica do homem que só sabe tocar de olhos fechados; que nunca estudou música; e que apenas pede algumas moedas em troca da sua arte imensa.
Quase sempre, tenta esquivar-se à curiosidade alheia. «Não interessa de onde vim nem quem fui; somente onde estou e quem sou», diz. Assim sendo, quem és tu? «Um velho. Nada mais do que isso. Mas tenho uma grande alma: o meu safoxone». E onde estás? «Em todos os lugares que as pessoas imaginam, quando ouvem as minhas melodias». O saxofone, o velho negro e o seu enorme talento andam por aí, nas ruas de Lisboa.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Eu aderi, tu aderiste e até ele aderiu

Contra todas as previsões e expectativas, M. (chamemos-lhe assim) impôs a si próprio um objectivo de vida: aderir ao Facebook. «Decisão banal», dir-me-ão os mais sensibilizados para estas questões das novas tecnologias e redes sociais; «já sabia que ias falar dessa merda, ó caralho», barafustará M., naquele tom 'bovino' que tão bem o caracteriza (na verdade, M. conseque ser mais embezerrado do que eu - ainda assim, gosto do cromo).
Primeira conclusão: no domínio do mundo virtual, M. consegue atrair todas as más vibrações possíveis e imaginárias, fazendo com que mesmo as aplicações mais óbvias deixem, simplesmente, de funcionar. Só assim se consegue explicar que, no espaço de poucas horas - após a criação do seu perfil - M. tenha ficado encurralado. M. fez dois ou três amigos e, num abrir e fechar de olhos, o sistema não o deixou remeter pedidos de amizade. Será o Facebook uma ferramenta assim tão avançada que, na verdade, sabe que é improvável que M. tenha amigos num número que vá para além dos dois dígitos? Fica a dúvida.

Em todo o caso, o mundo deve registar tamanha façanha. Numa altura em que atravessamos um momento apocalíptico (já não adianta mudar a fechadura, pois o FMI já nos entrou pela casa adentro), Portugal pode orgulhar-se, agora, de ter todos os seus cidadãos ligados ao Facebook. M. acabou por concretizar, em poucos minutos, aquilo que ponderou durante longos meses. Um pequeno 'clic' para M., um grande passo para a irradicação da iliteracia digital no país.

Todavia, aconselha-se alguma prudência. Os próximos dias vão ser decisivos para M., que ficou impossibilitado de fazer amigos durante, pelo menos, 48 horas. O facto de não ter tido uma entrada triunfante nos meandros do Facebook e de levar com um tipo a 'reinar' sobre o assunto (como, de resto, este post comprova) poderão significar um retrocesso na decisão histórica de M. (que, no seu blog pessoal, também já sente na pele a ânsia de algumas pessoas de serem suas 'amigas').

Mas aconteça o que acontecer, M. mostrou o seu lado meiguinho. Só por ter aderido ao Facebook. Colapsou o sistema, é certo, mas colocou de lado o seu orgulho e juntou-se à manada. Por este e outros motivos, só tenho razões para gostar de M. Adoro-te.