quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Um conceito de Natal e do sentido da vida

E é isto. Todos os anos, por esta altura, corremos feitos malucos para o centro comercial, em bandos, a comprar o que não podemos - quando o que deviamos fazer, na realidade, era oferecer mais sorrisos e consolo (que ficam bem mais baratos e rejuvenescem a alma de que os recebe). Mas não. Adoramos o cartãozinho de crédito. É ver quem dá a prenda maior. No que toca às prendas para as crianças da família, então, é a puta da loucura: estamos aptos a gastar uma pipa de massa pelo último grito dos carros telecomandados ou pela versão mais actual da Barbie na casa de alterne - mesmo que andemos por aí a cair aos bocados, desdentados, a pagar a casa, o carro, o frigorífico, a casota do cão, a ração do gato.

Nada disto faz sentido. E a culpa, em última instância, é sempre nossa. Desde cedo que os habituamos mal. Impingimos o espírito consumista dentro do próprio lar, afogando os miúdos com pedaços de plástico industrial transformados em brinquedos, made in China, concebidos por trabalhadores que têm idade para andar na escola. Todos os dias deviamos parar e pensar um bocadinho nestas merdas. Mas não temos tempo. Porque temos de ir para a fila dos embrulhos da Toy's'Rus ou do Continente. E depois levamos com a falsidade da Leopoldina, da Popota e de outras que tais, que não passam de mascotes fabricadas por marketeers, mascaradas de anjinhos bem intencionados que se desdobram em missões sorriso e coisas do género - mas que, em boa verdade, não são mais do que uma forma de pôr as figuras públicas a dar a cara pelas marcas de grandes grupos económicos. Mas disto todos sabemos e, mesmo assim, lá vamos nós para a fila dos embrulhos.

Na minha casa, é muito simples. Há prendas, claro que há. Mas só para os mais pequenos. E livros, não mais do que isso. Ainda ontem, por exemplo, dei de caras com a minha filha sentada no sofá, sozinha, a folhear um prontuário da Língua Portuguesa e a inventar histórias (como aquelas que o pai e a mãe lhe contam aquando da hora de deitar). Não é mais inteligente do que as outras crianças, com toda a certeza. Aquele momento revela, antes, o esforço de dois pais preocupados e que, quando crianças, queriam ter um livro de banda desenhada e não o tinham. Nem sequer era uma pistola de água ou uma boneca: era apenas um simples livro.

Nos dias de hoje, falta, em muitas casas, a consciência do que é ter pouco. Os miúdos nascem já com o Magalhães e a internet acoplados ao cordão umbilical. Tudo lhes é mostrado - quando deviam ser eles a descobrir o mundo. Pensamos que é por ali o caminho, sem pensarmos que estamos a direccioná-los para o abismo. Assim se tecem as malhas do egoísmo. Estamos a produzir pequenos robots em série, incapazes de actuar e a pensar perante um determinado imprevisto. Bem-vindos aos novos tempos.