sábado, 21 de março de 2009

A manhã (1 de 3)

A luz forte acorda-me, invasora. Cego momentaneamente. A cortina de cor clara, dança sensual nos braços da brisa que entra, janela adentro.
Aprumo o olhar sobre o corpo inerte a meu lado que, em surdina, respira pé-ante-pé. A sua pele jovem, feita de texturas complicadas esconde-se, em parte, no branco alvo da cama aveludada. Duas covinhas paralelas, simétricas, olham-me fixamente do alto dos seus rins desnudos. Está de costas para mim, deitada de lado, com as mãos em oração, juntas, entre a face sardenta e a almofada enrodilhada. Tapo-lhe as costas com o lençol macio .
Afago o ombro exposto, ossudo, bronzeado, delicado. Beijo ao de leve quase sem tocar o pescoço perfumado, onde, em desordem, desalinhados, semi-organizados, repousam vadios os seus cabelos claros. Fecho os olhos encandeado pela beleza... Embriagado, o meu nariz deleita-se com a tua fragrância de mulher exposta, vapores voláteis, taninos de pecado, lembranças de ontem ou anteontem, nem sei. Talvez fosse a aragem que entra, que te fez frio. Aconchego-te contra mim, suspiras e vejo-te feliz e lentamente, devagar, com mão leve, tiras o cabelo da face e eu, estático, petrificado de espanto testemunho aqui, no meu leito, tamanha perfeição.
Viras-te por entre gemidos gentis. Procuras na minha mão os nossos dedos entrelaçados e ficas segura. Com o movimento, deixas a descoberto um peito rosa pálido, bicudo e imperturbavelmente calmo. Parecia desperto e alerta, desenvolto. O frio crispou-lhe o mamilo, deu-lhe mais vida.
Eis-me aqui a vêr-te, serena, abraçada a mim, respirando em compasso.
Acordas estremunhada, com os olhos pequeninos e olhas-me fundo, sorrindo ao de leve.
E eu aqui, grotesco, acho-me indigno de ti.

2 comentários:

Makira disse...

Pensaste mesmo isso? Talvez ela deva escrever a versão dela... Não terá certamente um fim assim tão grotesco.
Beijas

pixie disse...

És poeta, cum caneco! Gostei muito!